23.6.11

O atum bluefin e o pouco que os brasileiros sabem sobre os peixes que comem


Hoje saiu coluna minha no caderno Comida da Folha. O tema? O atum bluefin.


O perigo que corre o bluefin - maravilhoso peixão de águas profundas, incrivelmente veloz, de carne deliciosamente amanteigada - é algo que não sai da minha cabeça nos últimos tempos.

Foto: Atuna


A melhor descrição do bluefin que eu já li foi escrita na New Yorker (minha revista favorita) por Elizabeth Kolbert:


The Atlantic bluefin tuna is shaped like a child’s idea of a fish, with a pointy snout, two dorsal fins, and a rounded belly that gradually tapers toward the back. It is gunmetal blue on top, and silvery on the underside, and its tail looks like a sickle. The Atlantic bluefin is one of the fastest swimmers in the sea, reaching speeds of fifty-five miles an hour. This is an achievement that scientists have sought to understand but have never quite mastered; a robo-tuna, built by a team of engineers at M.I.T., was unable to outswim a real one. (The word “tuna” is derived from the Greek thuno, meaning “to rush.”) Atlantic bluefins are voracious carnivores—they feed on squid, crustaceans, and other fish—and can grow to be fifteen feet long.


Tem se falado muito dele nos Estados Unidos. Como a própria Kolbert notou na New Yorker, os estoques de bluefin nos mares caíram 80% nos últimos 40 anos.



Irônico se pensarmos que até os anos 60 comprava-se bluefin por alguns tostões, já que o peixe era considerado sangrento demais para o gosto da maioria.



Só nos anos 70 os japoneses ficaram obcecados por bluefin (hon-maguro), eventualmente levando esse gosto pela carne crua do bluefin para os Estados Unidos. Hoje, hon-maguro cru é verdadeira iguaria, e a carne tirada da barriga (toro) das coisas mais orgásmicas e caras que um gourmet pode comer.


Em 2009, Mônaco propôs incluir o bluefin na mesma lista de animais protegidos que inclui o panda gigante e o elefante asiático - o que tornaria a pesca e a venda ilegais. A proposta foi derrotada em votação ONU por 68 votos contra 20, com trinta nações se abstendo do voto - uma vitória para os japoneses.  

O tema é vasto e complexo, e quem se interessar por ele deve ler a matéria Tuna's Slow Death: Feds Refuse to Protect the Bluefin (Again), publicada este mês na revista The Atlantic. Triste... 

Foto: Atuna



Por outro lado, tenho notado um movimento crescente na América do Norte e na Europa pela preservação não só dos bluefins como de vários outros peixes ameaçados, como o bacalhau e o mero. Cada vez mais, os consumidores procuram se informar. Evitam pedir em restaurantes peixes "politicamente incorretos" (o mero, ou Chilean Sea Basss, sendo o pior de todos, pega muito mal entre norte-americanos esclarecidos comê-lo hoje em dia).


A mídia tem ajudado a aletar o público.




A mesma New Yorker, por exemplo, publicou em maio excelente matéria sobre o ator - e ativista, quem diria! - Ted Danson e sua luta para salvar os oceanos. Ele acaba de publicar o livro “Oceana: Our Endangered Oceans and What We Can Do to Save Them.”

Minha amiga e crítica gastronômica Marie-Claude Lortie acaba de voltar de uma viagem fascinante às ilhas Magdalen, no Québec, onde foi entrevistar pescadores e sair à pesca. Ela está escrevendo vasta reportagem sobre o tema, que sairá em breve na "Folha do Québec", o jornal La Presse. Ela voltou de lá indignada, e me disse:

"Tem gente fica morrendo de pena dos patinhos fofos quando fala em foie gras, mas o fato de que o atum bluefin está desaparecendo parece não causar emoção. Mas estamos comendo os últimos deles como glutões! E se fosse um urso panda?" 


"O estúdio Pixar deveria fazer um outro filme tipo o Nemo, em que os personagens seriam o último atunzinho bebê e o último bacalhauzinho. Alguém tem que mostrar as técnicas de pesca absurdas, como o arrastão, que matam toneladas de mães e bebês-peixe inocentemente. Talvez um desenho animado fizesse as pessoas reagirem."

Como vocês podem ver, esse assunto dá pano pra manga. Tentei condensá-lo na coluna da Folha, mas inevitavelmente ficou muita coisa de fora. Publico abaixo versão um pouco mais detalhada do texto que saiu no jornal:

Você não conhece o sushi que come

  Um mito desmoronou na semana passada com o rebaixamento do restaurante novaiorquino Masa – o mais caro e famoso japonês das Américas - de quatro (a cotação máxima) para três estrelas no The New York Times. Leitores chocaram-se – não há deste lado do Atlântico guia ou ranking mais poderoso – e reagiram com especial fervor ao trecho da crítica em que Sam Sifton diz ter comido tartare de atum bluefin com caviar.

   Muitos americanos revoltaram-se contra a admissão pública de tal indulgência, mesmo se Sifton explicou que “Alguns irão opor-se ao fato de que o Masa serve uma quantidade enorme de atum bluefin, espécie de peixe que dizem estar ameaçada de extinção”. Tanto que ele sentiu-se obrigado a escrever um post no blog do jornal explicando-se – o que desencadeou outras dezenas de comentários inflamados.


  Isso jamais aconteceria no Brasil, onde a maioria não faz ideia de que atum é aquele em seu combinado de sushi e sashimi, nem se importa muito em saber se o peixe a ou b corre perigo pela pesca excessiva.

Sashimi do restaurante Hideki, em São Paulo


O bluefin – peixão de águas profundas que pode medir e pesar três vezes mais do que um homem adulto – é o rei dos atuns: o maior e o mais caro e delicioso.  Os sushimen brasileiros quase nunca conseguem comprá-lo, já que vai quase tudo para os mercados americano e japonês - e usam dois outros atuns, mebachi (big-eyed) e kihada (yellowfin), geralmente pescados no Nordeste.


Relatório de onde foram pescados atuns kihada (yellowfin)
nas últimas décadas. Fonte: Atuna


    Distinguir entre espécies e saber quais devem ser evitadas começa a ser a norma lá fora, tanto entre chefs como gourmets esclarecidos. Para cada restaurante como  o Masa, que ainda teima em servir um peixe ameaçado, há outros tantos que baniram não só o bluefin como outros peixes que correm perigo, como bacalhau e mero (Chilean sea bass). Ano passado perguntei ao chef Joan Roca, do El Celler de Can Roca, na Catalunha, se ele tinha banido o bluefin de sua cozinha por motivos ambientais. “Claro, é uma questão seríssima”, ele disse. Muitos outros, como Joel Robuchon e Alain Ducasse, fazem coro, por vezes até escrevendo nos menus o porquê de haverem banido tal peixe.

Liderados pelo grande Olivier Roellinger, muitos chefs que fazem parte da Associação Relais & Châteaux tiraram o bluefin de seus menus em janeiro de 2010. Fazem parte do grupo chefs top como Daniel Boulud, Thomas Keller e Michel Troigros (irmão do Claude). Abaixo, Roellinger explica seu ponto de vista. 



Ainda há muuuuuuuuito trabalho de conscientização a ser feito. A verdade é que o bluefin continua a ser pescado com a mesma intensidade, segundo prova tabela da Atuna, o organismo que deveria ajudar a preservá-lo:



   No domingo conversei sobre isso com um dos sushimen mais respeitados do Brasil, Jun Sakamoto, do restaurante homônimo. Ele pareceu surpreso quando contei a ele que nas grandes capitais norte-americanas e europeias o público e os chefs já se evitam consumir peixes ameaçados e sabem onde informarem-se melhor (em sites como o do aquário de Monterey, na Califórnia, que dá farol verde, amarelo ou vermelho para cada espécie e método de captura). 

   Aqui em Montreal, de onde escrevo estas linhas, gourmets esclarecidos discernem entre salmão selvagem e salmão laranja-choque de criatório (geralmente entupido de antibióticos), e jamais serviriam em um jantar lagostas fora de época ou – horror dos horrores – atum bluefin.

Enquanto isso, em São Paulo, onde vende-se sushis em cada esquina, ainda vejo amigos chegarem ao restaurante japonês dizendo: “só como atum e salmão”. Pior ainda, há muitos menus listando combinados de atum, salmão e peixe branco (!) como se linguado, carapau e outros peixes fossem tudo farinha do mesmo saco.

Toro de atum, no Kosushi

Os brasileiros geralmente não conhecem os peixes que comem, muito menos preocupam-se em preservar espécies ameaçadas. “Além dos milionários que viajam e comem fora, quase ninguém conhece bem o assunto”, resigna-se o sushiman Jun Sakamoto, do restaurante paulistano homônimo.

É pena, mas é fato.





E outros links úteis:
Twitter do Sam Sifton
Associação Atuna (tem ótima explicação da diferença entre as espécies de atum)
Matéria sobre a volta do Chilean Sea Bass aos mercados e peixarias americanos, na National Geographic
De Olho nos Meros, no portal Terra da Gente (atenção, esta matéria fala do mero brasileiro, não o mero que é conhecido como Chilean Sea Bass na América do Norte - espécies diferentes, embora ambas ameaçadas de extinção).
Detalhes sobre a decisão dos chefs Relais & Châteaux de banirem o bluefin de seus menus.

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