13.6.12

Restaurante Momentto, de Fernanda Valdivia, e Lourdes Hernandez, a cozinheira-poeta


Há coisa mais brega do que Dia dos Namorados?


Pois bem: só saí de casa ontem porque recebi um email lindo de uma cozinheira-poeta mexicana chamada Lourdes Hernandez.

Lourdes Hernandez

Uma mulher encantadora tanto pelos guisados e guacamoles e saladas que faz e pelas palavras que pincela lá e cá, em menus e artigos de jornal, sempre com grande lirismo.



Não vou descrever o jantar, primeiro porque já foi e jamais se repetirá, e segundo, porque ela, a seu modo, o faz melhor, como verão a seguir.



Mas vou, sim, falar da casinha linda onde foi o jantar, da jovem chef Fernanda Valdivia e sua sócia Giovana Sonda. Um lugar chamado Momentto, que merece ser buscado e descoberto. Na verdade, é um adorável empório que, às quintas-feiras, transforma-se em restaurante.

Acho que o email-convite da Lourdes, a seguir, e as fotos dizem mais do que qualquer post-descritivo poderia dizer....



"Fernanda me liga na semana retrasada:

- Vamos fazer o dia dos namorados aqui na casita?

- Você tá louca?, respondo. Eu, dia dos namorados? Eu o que gosto é do dia dos rejeitados, da dor de cotovelo, dos que sofrem na espera infinita... Sempre gostei do Mastroianni mas cai de amores por ele quando, interrogado sobre o amor, ele confessa – um ano antes de morrer – que não tem certeza de tê-lo sentido. (Gassman participava da conversa) e Mastroinni insiste que isso que Gassman qualifica de relacionamento estável, solidariedade, companhia, está certo, mas ele não acha que isso seja amor. Que ele só tinha certeza da própria paixão no sofrimento, quando penou por alguém, na espera dolente na frente da porta fechada.

Dia dos namorados, nunca!

- Vamos fazer, sim? Retrucou Fernanda.

- Tudo bem, topei. Mas será de meu jeito. Nada de clima romântico nem jantar perfumado, um menu único de sabores fortes temperado apenas com músicas de letras escritas no desespero.  E velas, pode colocar velas.

Mas já que é o dia dos namorados, vamos admitir qualquer tipo de namoro, inclusive o daqueles intrépidos navegantes solitários que se dão bem com eles mesmos. Que seja noite de desejos, que a casita vire palco de olhares cheios de coisas nunca faladas. Não seria gostoso escrever para o outro (a outra) algo diferente, talvez malicioso? Esperar quiçá entre o primeiro e o segundo prato e trocar os papéis num toque imperceptível. Imagino um frenesi gastrósofo onde tudo está acontecendo mas os corpos ficam lá, numa coreografia impávida como a do gato que deitado parece não ver a pressa passar. Olhos que perseguem essa velha linha que parte dos olhos até lá, e abrem, tiram desconfianças, culpas, impedimentos deixando ao descoberto cérebro, alma e sexo... ótimo coquetel.

Mas dissimulem, que ninguém saiba das coreografias ocultas de seus corpos, que a conversa siga outros caminhos enquanto o desejo vai sem dúvidas nem disjuntivas nessa sua impulsiva deliberação.  Sexo e gula, velha fórmula. Onde o estômago é uma prova de caráter e o fascínio pela comida faz da gente viciado no desejo a primeira vista. Ai, a mesa! Tão cheia de truques, você leva à boca um pedaço recheado de formas que você não sabe, só intui e se entrega numa oportunidade perversa de carícias fragmentárias. A mesa é um fato eminentemente cênico. Você pode descrever a  duração, o número de goces, as singularidades tangíveis e orgânicas. O amor, como a comida, é uma curiosidade mais ou menos forte.

Gostaria que vocês que vão nos acompanhar nessa noite lembrem que a literatura erótica depende em grande parte de fazer da imaginação a grande zona erógena.

“O amante que treme não fica entediado”, escreveu Stendhal.





O menu é quase simples:

Uma bebida embriagante para soltar amarras,

Guacamole picante para fortalecer aos caçadores

Sopa quente com monte de coisinhas para colocar dentro e observar os movimentos do adversário do outro lado do campo

Um gelo de mezcal para estender o prazer – frio no quente. A parte mais protetora do casal deverá colocá-lo na boca e começando a desmanchar passar à boca do outro. (único momento no roteiro em que aprovamos que os lábios se toquem.)

Sarape de pato em salsa verde de chile poblano

Crepas de cajeta al tequila

Café – chá

$130 + 10% por pessoa


AGORA PAREM E APERTEM PLAY NO VIDEO ABAIXO. Só então continuem a ler....




Rayuela, capítulo 7, de Julio Cortázar



Toco tu boca, con un dedo toco el borde de tu boca, voy dibujándola como si saliera de mi mano, como si por primera vez tu boca se entreabriera, y me basta cerrar los ojos para deshacerlo todo y recomenzar, hago nacer cada vez la boca que deseo, la boca que mi mano elige y te dibuja en la cara, una boca elegida entre todas, con soberana libertad elegida por mí para dibujarla con mi mano en tu cara, y que por un azar que no busco comprender coincide exactamente con tu boca que sonríe por debajo de la que mi mano te dibuja.


Me mirás, de cerca me mirás, cada vez más de cerca y entonces jugamos al cíclope, nos miramos cada vez más de cerca y los ojos se agrandan, se acercan entre sí, se superponen y los cíclopes se miran, respirando confundidos, las bocas se encuentran y luchan tibiamente, mordiéndose con los labios, apoyando apenas la lengua en los dientes, jugando en sus recintos donde un aire pesado va y viene con un perfume viejo y un silencio. Entonces mis manos buscan hundirse en tu pelo, acariciar lentamente la profundidad de tu pelo mientras nos besamos como si tuviéramos la boca llena de flores o de peces, de movimientos vivos, de fragancia oscura. 
Y si nos mordemos el dolor es dulce, y si nos ahogamos en un breve y terrible absorber simultáneo del aliento, esa instantánea muerte es bella. Y hay una sola saliva y un solo sabor a fruta madura, y yo te siento temblar contra mí como una luna en el agua.




Momentto:
Rua Desembargador do Vale, 454
Perdizes
T: (11) 2362-6582
@: contato@momentto.com.br
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