27.5.11

O Vale do Douro, em Portugal, e o valor das amizades


Como muitos de vocês gostam de me lembrar, sou mesmo uma garota de sorte. Meu trabalho me leva a lugares e a pessoas incríveis.

Uma coisa é viajar como turista. E outra, bem diferente, é viajar como repórter - há que se falar a verdade. Se me sobra pouco tempo para relaxar à beira da piscina, em contrapartida acabo vendo muito mais coisas do que a maioria dos mortais, em viagens intensas, concentradas.

Mas não basta ser repórter para as portas se abrirem, claro. É preciso fazer muuuuuita lição de casa antes de ir ao aeroporto mas, acima de tudo, é preciso contar com amigos nos lugares certos.

Minha ida ao vale do Douro simplesmente não teria acontecido se não fosse pela tenacidade e generosidade de Miguel Santos, um leitor que vive lá e que, depois de anos de correspondências através deste Boa Vida, tornou-se amigo. Ele sabia, pelos meus escritos, que eu sonhava em ir ao Douro. E, nos bastidores, fez de tudo para que a viagem se concretizasse.

Miguel Santos, expert em Douro, degustando vinhos na Quinta do Crasto


Entendam: Miguel armou meu itinerário e ainda me levou de ponto a ponto em seu carro por pura e simples boa vontade. Verdadeiro gentleman, desdobrou-se para me levar a ver lugares que sabia que me agradariam. Sempre solícito e gentil. Sempre fugindo dos holofotes, ultradiscreto.

Miguel no restaurante DOC, ao lado do Luís Seabra, enólogo da Niepoort


Na escolha das paradas ele teve a ajuda inestimável de outra amiga minha que entende muito de bons comes e bebes: Teresa Vivas.



Lisboeta arretada, ela arranjou, através do enólogo Paulo Laureano (de quem sou grande fã) para que nós passássemos uma noite em uma das Quintas mais mágicas do Douro, a Quinta do Vesúvio.

Chegando à Quinta do Vesúvio, que tem sua própria estação de trem!


Hoje propriedade da família Symington, que produz ali grandíssimos vinhos, é um casarão cheio de história, onde morou a figura mais mítica dali, a dona Antônia Ferreira, vulgo Ferreirinha. Éramos nós, os pássaros, as cigarras e o rio, batendo levemente contra a margem.... Uau.



A Quinta, com retratos da Ferreirinha na sala de leitura e um jeitão de século passado, tinha um quê de misteriosa, fantasmagórica...


Dormir ali foi um verdadeiro privilégio: propriedade privada, só recebe mesmo hóspedes da família Symington! A eles, o meu obrigada...

Teresa agendou também uma visita aos belíssimos olivais da CARM, no Douro Superior (eles produzem não só super vinhos como também alguns dos melhores azeites de Portugal). Filipe Madeira, filho do fundador, almoçou conosco depois nos levou de jipe até o pico de uma de suas várias quintas: UAU!




E a terceira pessoa-chave por trás de minha viagem de sonhos chama-se Miguel Roquette.

Entrevistando Miguel Roquette na Quinta do Crasto


Apaixonado pelo Brasil, é da família dona da Quinta do Crasto, uma das mais prestigiadas do vale.



Seu irmão Tomás cuida dos vinhos, e ele, do marketing. Nós nos conhecemos em um jantar em Montreal, quando contei a ele que queria fazer uma matéria sobre o Douro e seus mais famosos winemakers, os Douro Boys. No mesmo instante, ele ofereceu de juntá-los todos em um jantar-degustação na Quinta dele. Dito e feito! Preciso dizer que foi uma noite incrível?



Como se não bastasse, ele ainda ofereceu hospedagem na "casinha" da família... :)


E na manhã seguinte Miguel Roquette levou a gente de barco para a outra margem do rio....




... onde já nos esperava o Dirk, da Niepoort, para nos levar até a adega dele.



Outro cara fantástico: generoso e genial.

Dirk Niepoort faz um tour de sua Quinta de Nápoles (com adega supermoderna)
e conversa com o Miguel

Enfim: foram quatro dias inesquecíveis em que aprendi muitíssimo. Dormi em hoteis de raro luxo - Quinta da Romaneira e Aquapura - mas encantei-me mais com a hospitalidade nas casas particulares (Crasto e Vesúvio).

Voltei com o caderninho cheio de dicas e novidades para dar na revista GQ mas além disso, voltei feliz. Feliz de saber que há tanta gente genuinamente generosa naquelas bandas, sempre pronta a receber bem, abrir um vinho, levar para um passeio, contar de sua terra e sua gente. E feliz por ter tido o privilégio de ver lugares tão estupendamente belos, em tão boa companhia. Como diria Teresa, foi esmagador!

A todos com quem estive, mas em especial ao Miguel I, ao Miguel II e à Teresa, fica aqui o meu mais sincero e sentido obrigada.

Memórias para se guardar do lado esquerdo do peito...

O sempre discreto Miguel - o melhor guia que uma pessoa poderia sonhar em ter -
nos acompanhando na Quinta da Romaneira

E mais DOURO:

A última ceia no El Bulli: coluna de ontem no Comida, da Folha


Isso aqui está igual novela da Globo: mó suspense! Depois do post de ontem, que narrava a linda viagem até o restaurante, hoje reproduzo aqui o texto que escrevi para o Comida, o caderno de gastronomia da Folha.


Só amanhã vou mostrar os pratos todos que experimentei no El Bulli... aguardem as cenas dos próximos capítulos! :)





A última ceia no El Bulli

    Escrevo estas linhas de Roses, na Catalunha, ainda mexida e desnorteada, na manhã seguinte ao meu derradeiro jantar no mítico El Bulli do chef Ferran Adrià. Que poderia lhes contar de novo? Pululam pela internet descrições e fotos mil das bizarrices que compõem o menu degustação. E já se escreveu à exaustão sobre o fim próximo do restaurante que revolucionou o mundo (fechará no 31 de julho por 3 anos para reforma milionária até ser reaberto como think tank, ou laboratório de ideias).

Palitos de cana de açúcar embebidos de caipirinha e de mojito
(os que têm folhinha de hortelã): "chupe!"


     Prefiro poupá-los de longo discurso crítico dos 47 bocados que provei (papel de flores! Caipirinha sólida!). Isso  só sublinharia a injustiça que faz dos que lá foram uns felizardos, e dos que sempre sonharam em ir mas não conseguiram reserva, uns azarados condenados a morrerem na vontade.

     É o fim de uma era, e quem não viu, não verá. E agora? Haverá sucessor à altura? Mesmo sem ter comido no Noma, que tomou do El Bulli o posto de número 1 no ranking dos 50 melhores do mundo, atrevo-me a dizer que não existe outro restaurante que tenha o mesmo poder de mexer no fundo da alma, de abalar emocionalmente quem se entrega a seus esquisitos sabores.

     Muito da magia do El Bulli está fora do prato. O percurso de táxi por estradinha deserta e periculosamente sinuosa desnuda paisagens de beleza comovente, íngremes montes semi-áridos indo de encontro ao mar imenso.




Naquele Parque Nacional de muitas baías o ar cheira a pinho e o grito dos pássaros mistura-se ao bater das ondas no cascalho.

Eis que surge naquele isolamento selvagem a casinha velha de ar familiar, com sua cristaleira repleta de buldogues (bullis) de porcelana....



    Tem um quê de surreal a caretice do espaço, contrastando estranhamente com o avant-gardismo dos ares, papéis comestíveis e encapsulamentos.



   A cada instante da noite encantada eu me via rindo, ou refletindo, ou buscando domar a forte emoção que me invadia o peito. Não chamaria aquilo de jantar, mas sim de uma janela que se abriu revelando o íntimo de um gênio. Epifania que durou curtas horas e me fez sentir, mais do que nunca, viva e plena.




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