Expectativas sempre são perigosas. Quanto mais esperamos, maior pode ser o tombo.
Não que meu almoço no novo Dinner, do überchef Heston Blumenthal, tenha sido um tombo. Longe disso, a comida estava bem gostosa, exceto uma sobremesa que me esforço até agora para deletar da memória. Mas eu, que acompanhei de longe, lendo blogs e reportagens, o desenvolvimento do ambicioso projeto, acabei me decepcionando com o jeitão super normal do lugar. Tem cara de restaurante chique de hotel, simplesmente. Eu esperava um pouco mais do que havia sido descrito no press release:
“Inspired by Heston Blumenthal’s novel approach to gastronomy and 16th Century historical British style references, Tihany Design conceived the restaurant interior as a subtle, elegant portrait; contemporary and innovative, yet with respect and an understanding for tradition. Rich natural materials such as wood, leather and iron – historical elements at the root of British style – are utilized in modern ways. The main dining room features floor to ceiling glass walls, which provide diners with a glimpse of the kitchen and more significantly, a unique large scale pulley system. This contemporary stainless steel pulley is modeled after an original 16th century pulley system designed for the British Royal Court’s kitchens. Custom designed by Tihany, the gears and crank resemble the craftsmanship of an oversized watch, mechanically rotating a spit in an open-fire rotisserie. Ivory painted walls add warmth, along with custom-made white porcelain wall sconces in the shape of antique cake molds. Chocolate brown leather and smoky grey velvet textured seating contrasts with plush saffron colored pillows, enveloping guests within.”O foco do décor, conforme o que se lê acima, era para ser um sistema de engrenagens mecânicas, como o motor de um relógio em tamanho monumental, que deveria fazer girar os espetos de uma grelha com ar histórico. Isso tudo para transmitir a idéia de viagem à Inglaterra antiga, da passagem do tempo. Só que o tal mecanismo não tinha nada de histórico, parecia apenas um relógio de Itu. E a grelha ficava bem escondida.
Se eu não soubesse de toda a história por trás, jamais teria notado as alusões visuais ao tema de cozinha histórica. Sutis demais! Querem um exemplo? As luminárias (vejam na foto acima) são réplicas de antigas fôrmas de pudim. Acham que muita gente nota?
E tem mais: se Heston dizia aos quatro ventos que aquilo era para ser uma brasserie, eu garanto que de brasserie não tem absolutamente nada além das carnes em porções fartas. Nem os preços baixos, nem a informalidade, nem os salsichões com cerveja, nem os copos grosseiros. Não, nada disso…. o Dinner é coisa para bico fino. Os sommeliers, por exemplo, liderados pelo português João Pires (ex-Gordon Ramsay at Royal Hospital Road), vestem-se na maior elegância. Porcelana fina, taças de cristal…. e por aí vai.
Se vi pouca graça no décor, deslumbrei-me com os imensos janelões dando para o parque, esses sim, uma beleza:
Mas vamos ao que interessa: a comida.
Minha irmã ficou chocada quanto apontei a ela o chef do Dinner, o Ashley Palmer-Watts.
“Hãn?! Como assim, o Heston não é o chef?!”
Tsc, tsc…. que tolinha…. Lógico que não, né? Heston hoje em dia virou o Mario Batali inglês, além de comandar seu famoso The Fat Duck (cotado no. 5 no mundo segundo o ranking dos 50 Melhores Restaurantes do Mundo) faz n programas de televisão e anúncios e escreve livros.
Voltando ao Dinner: o chef Palmer-Watts veio me cumprimentar e falou:
“Nem precisa pedir a meat fruit, quero mandar uma de cortesia”.
Explicando: meat fruit, ou fruta-carne, é uma entrada trompe l’oeil que parece uma tangerina mas obviamente não é. Inspira-se na era Tudor, quando aristocratas ingleses (ou melhor dizendo, seus empregados) esculpiam patês de carne em forma de frutas, depois pintavam com corantes comestíveis e serviam em travessas, como se fosse um arranjo de frutas.
A tal “meat fruit” virou estrela-mór do restaurante, sai em toda matéria de toda revista que fala dele.
A tal ponto que eu, sem nunca ter posto um pedaço na boca, de tanto ler a respeito já tinha enjoado.
Mas aí, ela chegou, a “tangerina” linda e lustrosa e perfeita, a película gelatinosa escondendo o interior de sedosa e pastosa mistura de foie gras e fígado de galinha. Eu, boa irmã que sou, não estraguei a surpresa, não contei o que tinha dentro.
“Noooossa, melhor patê da minha vida! Dá pra pedir mais pão?”
rárárá…..
E assim seguimos.
Minha irmã pediu um “Rice and Flesh (c.1390)”.
“Ué, mas já existia risoto na Inglaterra nas priscas eras? Não sabia… Mas tá excelente”, disse.
Provei e comprovei: ótimo risoto ao açafrão, perfeitamente al dente, os pistilos, abundantes, à mostra!
Melhor sorte tive com o prato principal, curto e simples: bisteca de porco, repolho. O que deu o tchans foi o molho, ultra concentrado, que parecia feito de sucos de uma assadeira:
Pedimos duas sobremesas, uma boa, outra péssima. Melhor falar da boa: era um tal de Tipsy Cake (Bolo Embriagado, receita de 1810) assado em panelinha de ferro e com gosto de brioche doce. Por cima, era meloso, super doce. Ao lado, trouxeram uns pedaços de abacaxi assado no tal braseiro “histórico” (quem diria, abacaxi na Inglaterra, já em 1810?!).
Estava bem bom.
Lembrem-se da dica: pedir o “Brown Bread Ice Cream (c.1830) with Salted Butter and Caramel Malted Yeast Syrup” é rou-ba-da. O meu tinha gosto de massa de pão crua.
E assim foi meu almoço no restaurante mais falado, mais badalado, mais concorrido, mais ansiosamente esperado dos últimos tempos.
Gostoso, mas longe de extraordinário.
Dinner by Heston Blumenthal: hotel Mandarin Oriental, 66 Knightsbridge, tel. +44(0)20 7201 3833
E mais: minha matéria em inglês na En Route sobre chefs famosos recriando pratos históricos.