17.3.12

L'Ami Louis: o melhor bistrô de Paris?


Estou com Paris na cabeça.... acabo de chegar de lá...

O próximo post contará um pouco de cada um dos lugares onde comi, mas, estranhamente, preferi começar pelo lugar onde NÃO comi desta vez: o L'Ami Louis.

Voltei de Paris com saudades de outra Paris: a que eu visitava com meu querido pai. Sim, cidades mudam conforme o bairro, o contexto, a companhia. E desta viz vi uma nova Paris, pisei pela primeira vez no 20ème arrondissement, onde me hospedei no hotel-butique Mama Shelter (blergh), comi em bistronomiques melhores (Le Dauphin) e piores (Le Baratin).

E, enquanto descobria coisas novas, lembrei de viagens passadas a Paris. Como lá nada muda - ou quase nada - acho que o que eu escrevi sobre o velho L'Ami Louis ainda vale, por isso resolvi republicar aqui... Trata-se de um texto sentimental, mas que explica bem, acho eu, o porquê daquele pequenino bistrô dar tanto pano para a manga. Lá vai:





Meu pai me ensinou muita coisa, mas acima de tudo me ensinou a comer e beber.    Desde que me lembro por gente, me faz experimentar pratos que não conhecia, e beber vinhos que nunca irei comprar (quando pequena, ele deixava que diluísse em um pouco d’água). Em casa, papai corrigia nossas maneiras à mesa e avaliava, severo, a performance da cozinheira. Durante viagens de família, o ritual se intensificava: nada de sanduíches no café de algum museu! Cada dia íamos a um de seus restaurantes favoritos. Podia ser tanto um bistrozinho de bairro como um restaurante de fine cuisine. Ele nos contava a história do lugar, descrevia as especialidades do chef, e fazia o pedido para nós (temia as escolhas que poderiam brotar de nossa ignorância infantil).

Um desses favoritos de meu pai, onde me levou ainda criança e ainda leva sempre que me convida a ir a Paris, é o célebre l’Ami Louis. Em minha primeira visita, lembro-me de ter estranhado sua localização num pedaço perdido do 3ème arrondissement, ao norte do Marais, numa rua estreita e sem graça. Com o tempo, fui aprendendo que não só o endereço desse velho bistrô mas também seu cardápio e decoração tinham atravessado as décadas indiferentes às diferentes tendências ou gostos que decretaram nascimento e morte de tantos restaurantes.



    O piso gasto de ladrilho hidráulico, as mesas estreitas de tampo de mármore e as paredes escuras e envernizadas estão ali desde a inauguração, em 1924. Também resistem o aquecedor a carvão, os banheiros minúsculos no porão e a perdiz empalhada acima da boqueta. As cortininhas em xadrez vermelho-e-branco seguem protegendo a clientela abastada dos olhares curiosos de quem passa na rua.

    O lema do l’Ami Louis é não mexer em time que está ganhando. O chef tunisiense Ismail Benn Abdallah – ou Bibi, para os garçons – comanda a grelha e o fogão à lenha desde 1969. Bonachão, não se incomoda em dividir o espaço na minúscula cozinha de pouco mais de 9 metros quadrados com outros 2 cozinheiros. “Estou acostumado”, diz, abrindo largo sorriso.

    Com a chegada de Bibi ao bistrô – ou desde muito antes ainda - o menu pouco mudou. Impresso em grosso papel de carta, sempre oferece os clássicos que com o passar dos anos viraram pratos quase cult, como as gordas fatias de foie gras servidas com uma pilha de fatias de baguette tostada e o frango assado, que vem com fritas fininhas, empilhadas em forma de frágil pirâmide amarelo-palha.





    Tem gente que vem de longe – americanos ricos e gourmands, na maioria – para matar a saudade do franguinho com fritas do l’Ami Louis. Que ele custe 80 euros (talvez o frango assado mais caro do mundo, mesmo que dê para duas pessoas) não parece incomodar os muitos e fidelíssimos clientes. Os preços altos, aliás, são muito controvertidos, inclusive entre foodies convictos.

    No portal americano  e-gullet, que atrai para seus fóruns online milhares e milhares de chefs e gourmands, o tema l’Ami Louis terminou em briga. Um investidor de Nova York, definiu assim o perfil de quem deve ir ao bistrô: “quem não gosta de se surpreender ao comer e quem gosta de comida simples e porções enormes. Quem acha que mesas coladas umas às outras cria um clima aconchegante, quem não se incomoda em ser mal-tratado, quem acha bacana estar num restaurante famoso, de frente talvez para alguma celebridade. Quem é rico ou gostaria de sê-lo e sente-se em casa quando ouve americanos falando alto”. 

    Mesmo supondo que o que diz esse auto-denominado cozinheiro amador seja verdade (embora eu nunca tenha reparado nos tais americanos falando alto), seus comentários causaram furor, e foram rebatidos ferrenhamente e à exaustão por outros membros do fórum. Afinal de contas, assim como tem gente que acha que o lugar não vale o que cobra, outros rabatem que não há comida melhor em Paris. Gente do calibre do chef americano Thomas Keller, que considera o lugar um de seus favoritos no mundo, e seu frango assado e foie gras, simplesmente incríveis. Jacques Chirac também é fã convicto e inclusive levou Bill Clinton para conhecer, quando ainda era presidente americano. Mas a controvérsia continua: o famoso frango vale mesmo 80 euros? O l’Ami Louis seria o mais autêntico e imutável dos bistrôs parisienses, ou uma armadilha caríssima para turistas endinheirados?

Da última vez que estive lá e pedi o foie gras, que estava impecável como sempre, e uma dúzia de escargots gigantescos afogados em alho, manteiga e salsinha. Experimentei os cogumelos (cêpes) na manteiga da mesa vizinha (eles se compadeceram de me ver comendo sozinha, acho) e esses, também, estavam ótimos como sempre. Só me decepcionei com as fraises des bois (moranguinhos selvagens), servidas com a promessa de ainda estarem boas naquela tarde de início de outono, mas que tinham uma textura meio molenga de fruta cansada, talvez por terem vindo de Málaga, e não dos arredores de Paris. Apesar do pequeno tropeço, para mim esse é um bistrô único, especial.

      Mas meu olhar, longe de ser objetivo, passa pelo filtro da história, das lembranças queridas que guardo de minhas idas a Paris em família. Releio uma passagem de meu diário de viagem de 2003: “Econtramo-nos em frente à Notre Dame para a missa, turistas espocando flashes, orgão lúgubre. O almoço no Ami Louis levantou os ânimos. Eu não estava com vontade de comer frango, mas adorei os tijolões de foie gras e o presunto cru cortado grosseiramente. Melhor que o frango, que achei bom, era a torta de batatas que o acompanhava, tipo uma tatin sem massa, com uma colherada de salsinha picada por cima. Hmmm!”


Meu pai e meu irmão caminhando
rumo ao l'Ami Louis
    Mesmo controvertido, o l’Ami Louis é inegalvelmente um grande sucesso, graças à clientela fiel, à qualidade imbatível da matéria-prima, do charme de seu décor à moda antiga, e também ao serviço, sempre eficiente e gentil. E quem está por trás disso tudo é o co-proprietário Louis Gadby (ao contrário de seu sócio-investidor, Thierry de la Brosse, dá expediente cinco dias por semana, e até serve mesas). Gadby não é o Louis que deu nome ao bistrô, mas sim um rechonchudo amante de vinhos que tinha o posto de sommelier e maître no l’Ami Louis de 1977 até comprá-lo em 1986 do suíço Antoine Magnin, cujo retrato em preto-e-branco está pendurado na parede atrás do caixa (esse último, por sua vez, comprou do Louis original, que dá nome ao bistrô).




     Gadby nunca enviou um email, anota reservas num livro, rabisca contas a mão e recusa-se a ler reportagens a respeito de seu restaurante. O que importa, para ele, é administrar  o dia-a-dia do l’Ami Louis, fazer agrados aos habitués e atender o telefone, que toca sem parar. E se precisar, vestir a casaca branca e ajudar a servir as mesas. Não dá receita de nada, reluta a mostrar a cozinha, e insiste em lembrar que seu sucesso está nos ingredientes, fresquíssimos, comprados dos mesmos fornecedores, em certos casos, há duas ou três gerações, servidos quase em estado natural, apenas grelhados ou fritos em fogão à lenha e “enfeitados” com um naco de manteiga persillée (com salsinha picada).  Ele questiona seus críticos e justifica os preços que cobra em entrevista:

Eu: Como fazem os cozinheiros para trabalhar nessa cozinha minúscula?

Louis Gadby: Estão acostumados. E quase não transformamos os ingredientes, damos apenas uma grelhadinha, uma fritada, e pronto. Então não precisamos de muito espaço.


Arranjo de frutas do l'Ami Louis


Porque um restaurante especializado em pratos do terroir francês tem como principal decoração um arranjo de frutas tropicais (banana, kiwi, abacaxi, manga, etc.)?
Não sei. Sempre foi assim, então até hoje mantemos as frutas expostas. Para que mudar? E vendemos muita fruta fresca, porque depois de um almoço substancial as pessoas não costumam querer uma pâtisserie, preferem uma fruta.

Quando foi a última vez que o senhor introduziu uma novidade ao menu?
Nunca. O menu não muda, a não ser pelas especialidades sazonais, como aspargos na primavera, cogumelos girolle no inîcio do verão,  caças no outono, etc.

Quando foi a úlitma vez que reformaram o restaurante?

Também nunca. Fechamos um mês no verão, que é quando consertamos o que estiver defeituoso, e retocamos a pintura, com muito cuidado. E só.

Onde o senhor gosta de comer quando não está trabalhando?

Saio muito pouco, porque prefiro passar meus dias de folga em casa com minha mulher. Nós dois cozinhamos. Minha especialidade são os cozidos e as carnes de caça.

Os pratos do l’Ami Louis são um tanto pesados. Como comer foie gras, manteiga, carnes, fritas e frutas com chantilly sem perder a saúde?
Comida boa nunca matou ninguém. Se comêssemos assim quatro a cinco vezes por semana, faria mal, sim, mas como tudo na vida, é preciso saber dosar.

O que o senhor pensa dos crîticos que acusam-no de cobrar preços caríssimos?

Não leio críiticas e não dou a menor bola. Tudo o que é bom custa caro, e essa gente que me critica não deve ir ao mercado freqüentemente – ingredientes da melhor qualidade sempre custam mais. Acho que críiticos de restaurantes falam mal de tudo aquilo que é caro demais para o bolso deles, e como nunca os convido de graça, acho que faz com que se voltem contra o l’Ami Louis. É natural, mas não ligo, não.

Acha que a localização numa parte nada glamurosa e fora de mão do 3ème arrondissement atrapalha o negócio?
De modo algum, isso não muda nada. Quem quer comer no l’Ami Louis não se importa em pegar um táxi. Nunca pensamos em nos mudar. Estar fora da zona mais turística pode ser uma desvantagem, de certa forma,  mas.. não seria também uma vantagem?
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