31.5.11

A última ceia no El Bulli: detalhes e impressões dos pratos



Os frequentes relatos que escrevo aqui, mostrando prato a prato o que estava bom ou nem tanto nos restaurantes que visito, servem não só para guiar as escolhas de vocês, leitores, quando forem viajar, mas servem para mim também. São como uma segunda visita ao restaurante, me forçam a repensar cada gosto, procurar temas recorrentes, entender o porquê disto ou daquilo.

Mas um post prato-a-prato do meu último jantar no El Bulli me pareceria bobagem, porque a) ninguém poderá experimentar nada parecido e b) leitor nenhum aguentaria ler minhas impressões de um menu de QUARENTA E SETE serviços!

Ao mesmo tempo, sinto um ímpeto incontrolável de mostrar, dividir, deixar anotada, aqui, para eternidade, a genialidade que testemunhei naquele 19 de maio.

Comer no El Bulli nunca é fácil: há aspectos que encantam, outros que desagradam, agridem, intimidam. Talvez o modo mais simples de pintar um retrato do meu jantar seja, portanto, listar os altos e baixos que mais me marcaram:

BAIXOS

1- Na chegada, os clientes são educadamente forçados a passarem pela cozinha para cumprimentarem Ferran e tirarem fotos (assim ele evita que queiram falar com ele na saída). Detesto. Morro de vergonha de fazer esse papelão de turista, fico lá de pé, sem jeito, com 20 e tantos cozinheiros observando.

2- Ferran tem fixação por determinados ingredientes e texturas. Atualmente, anda fazendo muitas coisas leitosas, espumosas. Tenho um pouco de aflição do gosto de leite quando não é nem doce nem salgado, principalmente se tépido, confesso. Uma coisinha branca com cara de macarron, por exemplo, era na verdade uma maria-mole bem mole e aerada, com farelos gelados de parmesão por cima.



Outra coisa espumosa e leitosa que  não consegui comer? O "tiramisù", acompanhado de um caldo morno que tinha gosto de água suja. Blergh! Já tinha provado isso em setembro passado, e já tinha desgostado...



3- Em teoria, eu como de tudo - faz parte do meu trabalho. Mas há coisas que, se puder, eu dispenso. Como os percebes, aqueles moluscos que parecem um dedão de pedreiro que levou uma martelada (só uma vez na vida achei verdadeiramente bons, e isso foi graças à grelha mágica do Etxebarri). Estes do El Bulli vinham com caviar por cima e, dentro da casca de um deles, adivinhem caldo do quê?



Tampouco curto sabores marcadamente florais (como aqueles crème brulées de lavanda que têm gosto de sachê). Por isso achei pouca graça nas pétalas de rosas servidas de amuse bouche, sob polpa de maracujá. De tão frágeis e molengas, nos deram pinças ao invés de talheres. Na boca, ao serem mastigadas, um pálido amargor dominava.



ALTOS

1- Por avantgardista que seja a comida, o que nunca se diz é que no El Bulli o serviço permanece super old-fashioned, graças a Deus. Leia-se: garçons experientes e sempre atentos, com pleno domínio de cada composição de prato. Timing perfeito. E sommeliers sensíveis aos gostos e orçamentos dos clientes (sou muito chata com brancos e acertaram na mosca com o Plou i fa Sol 2009 Côte Garraf do Penedès, relativa pechincha e exatamente seco e mineral como eu queria).



2- Conforme o último dia de serviço vai se aproximando, Ferran vai rendendo-se à nostalgia. Pratos vintage foram tirados do baú, quem diria! Sorte minha: assim pude provar o famoso tagliatelli de consommé de mil anos atrás, à carbonara, com fina brunoise de queijo. Delícia pura!



Também ressucitaram o belíssimo "papel" de flores, em que fina lâmina de algodão doce aprisiona flores comestíveis - inclusive, quem diria, uma de jambú! (ou, se não era jambu aquele botãozinho que parecia elétrico na boca, era muuuuito parecido). Por coincidência, uns 3 anos atrás escrevi uma matéria sobre os avant-gardistas espanhois que abria justamente com esse "prato":

Então foi muito bacana poder finalmente comê-lo. Tem gosto de.... algodão doce! As flores não tem gosto de nada, claro, exceto uma que eu podia jurar ser jambú, embora não consiga entender como ele poderia arrumar jambú naquele fim de mundo.




3 - Se eu comparar este jantar ao de setembro passado, muito mais pratos me pareceram deliciosos. "A nível de" prazer gustativo, desta vez foi bem melhor. Eis meus favoritos:

Pacotinho de creme de pistache. A película, impossivelmente fininha, é crocante, doce e derrete-se na boca. O creme, de uma intensidade que potencializa o pistache. Pistache ao cubo, digamos.



Ar de parmesão!  O que eles chamam de "müesli", que vinha num saquinho à parte, mais parecia pedacinhos de pão sírio torrado e framboesas "lyo", ou desidratadas. Vinha à mesa em um falso pote de sorvete, de isopor. O ar, geladinho e etéreo, dissolvia-se de imediato sobre a língua, deixando um rastro de parmesão, gostoso contraste com a doçura discreta da fruta.



Duo de ervilhas (as mais escuras, verdadeiras) com filmes semi-transparentes de banha de jamón Joselito. Nham! O curioso é que vivem dizendo que Ferran inventa onda, transforma demais os alimentos, e no entanto, da dezena de pratos que comi recentemente com ervilha, este era o mais singelo, o que mais realçava o ingrediente.



Pontas de aspargos brancos. Uma vinha sobre um creminho de missô, outra sobre outro creme, mas isso era detalhe. De novo: produto, produto, produto. Quem sabe, sabe.


E, mostrando que Ferran anda com a cabeça focada em vegetais (comemos pouquíssima carne), fiquei fascinada com a sequência de pratos de nozes. Primeiro, gominhos tirados de pinhas dos pinheiros dali mesmo. Pareciam, na textura, gominhos de grapefruit, mas o gosto era outro, claro (a pinha partida ao meio servia só de demonstração). No copo, "suco" dos pinhõezinhos.



E aí vieram dois pratos incríveis de amêndoas, espécie de estudos da amêndoa em todos seus estágios de desenvolvimento (tinha até um envelopezinho contendo óleo dentro) e texturas. Fascinante.


O segundo prato de amêndoas vinha com um delicioso naco de pêssego grelhado. Mas as "amêndoas" não eram sempre amêndoas, uma confusão de realidade e ilusão que, no fim, acaba forçando a pessoa a se perguntar: afinal, o que é uma amêndoa?!




Achei curioso notar a crescente presença de ingredientes sul-americanos (jambú, polpa de maracujá, cachaça) e também japoneses (yuzu, feijão vermelho, missô, etc). Não é coincidência: Japão, Brasil e Peru são os lugares que mais fascinam Ferran ultimamente, gastronomicamente falando. Esta sobremesa abaixo, por exemplo, era Japão puro!



Que mais me encantou? Essa delícia aqui, lagosta com porco, um mar e monte inspirado em Shangai. Quase old-fashioned comparado com o resto, mas... delícia pura!



E por falar em delícia pura, que dizer de La Caja (A Caixa)? Daria pra passar duas horas beliscando pedacinhos de chocolates, não pode haver no mundo mignardises mais deslumbrantes em todos os sentidos:







E chega, que este post já está virando um livro! Quem quiser ver os outros pratos que comi pode assistir o vídeo abaixo....








E mais Ferran Adrià no Boa Vida:

30.5.11

Restaurante Clos de Tapas em São Paulo: um tecnoemocional à espanhola





Que bobinha que eu fui de acreditar que, lindo e chique daquele jeito, o restaurante Clos de Tapas, recém-inaugurado na Vila Nova Conceição, pretendia apenas ser um bom bar de tapas contemporâneas....  Imaginem se o restaurateur Marcelo Fernandes, o homem por trás de dois dos maiores cases de sucesso paulistanos, D.O.M. e Kinoshita, iria querer tão pouco...

Há tempos eu já desconfiava que o lugar seria bem mais do que um bar de tapas, mas mal sabia eu a que ponto.

Fui almoçar lá duas vezes esta semana e deixem dizer uma coisa: aquilo ainda vai ser um restaurantão no melhor sentido da palavra. Para concorrer com os melhores da cidade. Mesmo neste iniciozinho, a cozinha tem envergadura, complexidade, maturidade, precisão. E uma pegada nitidamente inspirada na vanguarda espanhola, mas usando muito ingredientes brasileiros. Uma coisa bem assim... Maní!

Não vou perder o tempo de vocês repetindo o currículo (impressionante) do jovem casal que comanda a cozinha. Resumindo, Ligia Karazawa, brasileira, e Raúl Jiménez, espanhol, conheceram-se quando cozinhavam no Mugaritz, um dos maiores restaurantes de vanguarda europeus (em San Sebastian). Ela trabalhou em restaurantes do primeiro time, como Can Fabes, El Bulli e El Celler de Can Roca. Ele tem no currículo passagens por: Café de Oriente, Casa Marcial, El Celler de Can Roca e Quique Dacosta.




Basta dizer que, assim como no Maní, qualquer semelhança com algo previamente visto ou provado no El Celler de Can Roca, na Catalunha, não é mera coincidência.... O restaurante dos irmãos Roca começa a espalhar discípulos pelo mundo, que, em maior ou menor medida, carregam no DNA um estilo de cozinha nitidamente "à la Roca" (para ver o que eu comi no Can Roca, #1 do mundo, clique aqui)

Isso dito, o casal parece determinado a trilhar caminho próprio. Bacana o uso de discos de massa de pastel neste amuse bouche, por exemplo, como se fossem torradinhas. Aí é só espremer um pouco de pasta de Catupiry do tubinho, salpicar o farelo de calabresa e mandar pra dentro.





O couvert inclui também verdurinhas e pimenta biquinho em picles, que chegam em um pote de vidro com pinça, à francesa, mas customizado com a etiqueta do Clos. Bem sacado e gostoso.




Meu primeiro almoço lá foi do tipo pra-estourar-a-boca-do-balão: um menu degustação que me prendeu à mesa (no bom sentido) por mais de quatro horas!
Começamos com um ceviche "bico-fino" cuja calda acidulada miraculosamente mudava de cor de lilás para rosa-choque conforme a gente ia comendo... não me peçam para explicar! :o




Lindo e ligeiro o pepininho com fina brunoise de melancia e pepino e ovas e espuma de limão...





Mas preferi o que veio em seguida, uma casca supermegacrocante de mandioca sobre leito de folhas com cubos de presunto e, embaixo, purê de mandioca. Bem diferente, bem cróc-cróc na boca, bem leve.





O almoço todo tinha ecos espanhóis, mas este prato, especificamente, se alinha com a nova moda nos tecnoemocionais europeus: uma certa obssessão em recriar paisagens e cheiros da floresta. Foi servido com uns musgos esfumaçantes (gelo seco), bonitos mas um pouquinho metidos a besta:





Uma coisa assim... bem como constumamos imaginar uma tapa, concordam? ;)
Provei também um siri....  que tinha o mais puro gosto de Bahia, servido com massinha com formato de grão de arroz (risoni) e um farelinho etéreo de dendê.





Na sequência veio um peixe ultra delicado, no ponto exato: namorado, feito na chapa, com molho de clorofila e bolotinhas de cacau.





Interessante jogo de texturas.... o pupunha que veio por cima, como um cabelinho frito, digamos, não tinha gosto de pupunha, era mero acessório para dar um crunch, e as bolinhas poderiam ter uma textura mais plóc-plóc, mas o namorado era maravilhoso.
Este a seguir era, essencialmente, um carpaccio de carne melhorado. A pincelada de cobre sobre a pedra era mais show do que outra coisa, mas a carne em si era um desbunde, temperinho na medida exata, uma ou outra folhinha para trazer um ligeiro amargor e frescor, raspinhas de limão siciliano e de pimenta rosa.





Pra esta esnobe de foie gras que vos escreve, que vive na capital norte-americana dos patos e gansos gordos, este a seguir deixou um pouco a desejar em untuosidade, mas achei louvável (embora arriscado) o casamento dele com tucupi e folhas de jambu:





Aí veio o pai de todos, o leitão à pururuca. E botem pururuca nisso!! Nham, nham, mil vezes nham.



A carne era tão molinha, a pele, tão crocante que eu nem tchuns pras verdurinhas ao lado (o rosa, por exemplo, era um rabanete tinto com suco de beterraba).
Que mais...
Um pré-dessert lindo de morrer... Esférico de inhame com melaço (delícia) e sorbet de abacaxi com hortelã (normal).



Reparem no detalhe da flor de erva-doce...




Aí veio a sobremesa em si, curiosa, que imitava um côco. Uma bolota gelada e branca, de interior cremoso, passada no pó de chocolate, que o garçom parte ao meio à mesa, à sua frente. Ao lado, um farelo de curry. E, por baixo, creminho gelatinoso de maracujá.






E para encerrar, lindas mignardises - delícia o minitablete de chocolate branco com laranja (o quadradinho amarelo é de dendê com leite de côco):




Como podem ver, um senhor almoço, repleto de referências, conceitos, técnica.
Resolvi voltar três dias depois, em busca de tapas.
Confesso que não achei-as, mas em compensação, comi muito, muito bem. Abrimos os trabalhos com queijo coalho, bem tostadinho, cada quadrado com um complemento diferente: melaço esferificado, jiló, espuma de limão, e o melhor de todos: pimenta bode.




Sugeri ao meu amigo que provasse o leitão à pururuca. Sucesso absoluto. Ele amou também a galinha d'angola com arroz, que chegou à mesa literalmente defumada (um fumacê de ervas contido sob um belo domo).




Eu pedi o soba (macarrão japonês) com cogumelos e caldo dashi, homenagem ao vizinho Kinoshita. Umami na veia. Show!





Provamos também umas deliciosas "batatas na caixa", ocas por dentro e recheadas, por baixo, com um creminho bom demais.




E também gostamos dos crocantes de milho com carne seca. Ao lado, vinha uma pipeta contendo dendê e leite de côco. Divertido!




E a sobremesa era... um espetáculo: vinho e uvas em diversas texturas e formas (sorvete, cubinhos gelificados, calda) e, fingindo-se de rolha, um bolo cilíndrico de amendoim feito com a famosa técnica "ferranadriaesca" de microondas:




Resumindo: apesar do nome, não vá ao Clos de Tapas esperando tapas. Vá, sim, para provar pratos assumidamente vanguardistas e incrivelmente elaborados, em um ambiente para lá de elegante e banhado de luz natural. O Maní que se cuide.... Esse Clos de Tapas e o casalzinho brazuco-espanhol que comanda a cozinha ainda vão dar muito o que falar, podem apostar...

Clos de Tapas: Rua Domingos Fernandes, 548, quase esquina com Jacques Felix, Vila Nova Conceição, www.closdetapas.com.br

28.5.11

Hotel Santa Teresa, no Rio: um fototour pelo Relais & Châteaux no alto do morro



Em fevereiro, passei três dias maravilhosos no Relais & Châteaux Santa Teresa, em… Santa Teresa, claro!

Hotel escondidinho e super exclusivo, que só agora caiu na boca do povo, graças a dona Winehouse, que se hospedou ali em janeiro… Hilário o motorista de táxi contando a história:




O hotel gaba-se de seu décor super brasileiro, repleto de trabalhos de artesões de todas as partes do Brasil. Precisa ter bom gosto para usar esse tipo de coisa na decoração sem que fique parecendo lojinha de artesanato ou pousada bicho-grilo. E nesse caso, bom gosto não falta:



Meu quarto era “basiquinho”. Embora não fosse uma daquelas suítes imensas que eles têm, o meu quarto não era de se jogar fora:







E tinha uma varanda super gostosa, com vista para o casario do bairro…




O bar, perfeito pra ir a dois, também tem belíssima vista, e piso de ladrilho hidráulico. Amo!






A piscina, pra minha amiga Melany, é meio “desabitada” demais – não tinha aquele clima de badalação do Fasano. Mas que tem seu charme, isso tem!



E, como a maior parte do hotel, tem uma super vista:



Com tudo o que a gente queria fazer “lá embaixo”(leia-se Ipanema e Leblon) faltou tempo pra experimentar o spa – ainda mais porque tenho pouca paciência para massagens – mas achei um charme, super brasileiro, super rústico chic:



Achei os pães do café-da-manhã bem fraquinhos, mas a beleza do restaurante e a fartura de sucos e frutas no bufê compensaram a falha:







Na noite em que passei mal, fiquei no quarto e pedi room service. O “caldinho de feijão” não tinha NADA a ver com o original (eu estava com desejo de um sabor caseirinho, reparador). Mas mesmo sendo um pouco chique (e branco!) demais para o meu gosto, era inegavelmente bem-feito e caprichado:



Pedi também um tartare de salmão, meio tímido de tempero e bem afrancesado, mas super fresquinho:




Foi pena ter comido sozinha no quarto: o restaurante, além de bonito, estava cheio de gente, um clima gostoso….








Mas assim foi: comi tranquilinha e depois dormi como há tempos não dormia, na minha deliciosa cama king-size com lençois maravilhosamente sedosos. Para acordar no dia seguinte e encarar o calorão de 40 graus e a alegre baderna carioca!

p.s. Este seria o hotel perfeito se ficasse…. em Ipanema ou no Leblon! Que os cariocas me perdoem mas Santa Teresa, apesar de todo seu charme, fica longe, sim, do circuito top (praias, rua Dias Ferreira, lojas de Ipanema). Quase meia hora de táxi, para ser exata.

Hotel Santa Teresa: rua Almirante Alexandrino, 660, ao lado do Largo dos Guimarães, tel. (21) 2221-1406, www.santateresahotel.com
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