1.9.12

Um almoço na cabane à sucre do chef Martin Picard

cabane à sucre do chef Martin Picard, e canteiro de abóboras


É fácil etiquetar chefs. Pegar um cara multi-facetado e resumi-lo em uma frase. Mas quando fazem isso com o cultuado Martin Picard, deixam de ver um retrato muito mais interessante do que a caricatura. Ele tem um lado sensibilíssimo, também esbanja criatividade e, em termos de execução de suas ideias, manda muito bem, fico impressionada a cada vez. Nunca repeti um prato. E comi poucos que não estivessem de ótimos para cima.

Hoje passei o dia no que ele chama de cabane à sucre (este post explica melhor). O salão do "restaurante" é como um lodge de fazenda ultra rústico, mesonas de madeira pesada e bancos e pratos servidos family-style. Lá fora, uma varanda com cadeiras "adirondack", algumas cobertas com peles de urso.

Normalmente, ele só abre esse pop-up, que fica dentro de uma chácara dele, durante a primavera, quando a "cabane" produz maple syrup. É um antigo costume do Québec, reunir gente para comer em cabanes à sucre. Pois ele se perguntou: por que não fazer o mesmo no outono, estação das maçãs, com um menu focado em maçãs? Há campos e campos e mais campos de macieiras no entorno. Fazia todo o sentido.



Na cabane há cardápio, não se escolhe nada além das bebidas (há um martini de maçã que, ao contrário daquela gororoba adocicada e verde que garotas tomam pelos bares da vida, é um verdadeiro martini, com o mais pálido toque de maçã na forma de um miolo da fruta, que substitui a azeitona habitual).

Trata-se portanto de um "banquete-degustação". Todos comem de tudo. Abrem o serviço um fromage de tête feito de porco ao invés de vitela, e presunto cru feito também lá mesmo. Servem as finíssimas fatias sobre uma caveira de porco. Não tirei foto, uma pena. Mas esta foi uma das ocasiões em que viver o momento era mais importante e prazeiroso do que documentá-lo.... ops!

Junto com a charcuterie servem queijo de ovelha fresquíssimo, praticamente um iogurte de tão molinho e alvo, com torradas finas e bem tostadas, favas de mel, lâminas de foie gras e brotos variados. Deusdoceu.



Ah, e uma sopa de squash (tipo de abóbora) com gruyère e ementhal e croutons por cima.

O próximo serviço era a pasta. Ravioli recheado de fígado de galinha que trazem à mesa em uma panela de ferro pelando. Aí despejam os ravioli dentro de um queijo parmesão cavado em forma de tina. Aí - escutem só essa - o chef abre um saco em que há foie gras cozido sous vide e despeja aquilo sobre a massa. Aí mistura-se os ravioli e o foie dentro do parmesão e... voilà! Chose de lóc.


Aí vieram os últimos pratos. Um panelão de carne cozida lenta e longamente, com ostras por cima e cenouras submersas no denso molho. De acompanhamento, deliciosas panquecas de berinjela, folhas de alface Boston bib (que usávamos para enrolar nacos de carne) e brócolis com molho encorpado de amendoim e sementes de gergelim.


E um salmão assado "en papillote", só que nesse caso o "papillote" era jornal.

garçom abrindo o pacote de jornal que contém o salmão


Entre os dois lombos do salmão, meteram ervas (poderia ter menos manjericão) e finíssimas fatias de maçã. Ao lado, um molho para o peixe feito de endívias cozidas lentamente até caramelizarem, com conhaque e creme.


Ah, e umas ostras cruas, que ninguém é de ferro.

Ainda bem que eu, conhecendo o esquema, me contive até a hora da sobremesa. Ou, melhor dizendo, da orgia de sobremesas.



Em uma embalagem de creme reaproveitada, trouxeram um sorbet de crab apple (maçãzinha daqui que para comer crua não presta) e algodão doce.



Não poderia faltar, claro, uma apple pie. Só que a dele é feita de massa folhada. Claro. E chega morna à mesa. Claro.

Em seguida, um sticky toffee pudding: típica sobremesa inglesa, um bolo de maçã e ameixa com aroma de especiarias sobre o qual despejam caramelo quente. Nesse caso, assaram o bolo... em uma lata! E abrem a lata à mesa. Todo mundo pira, claro.



Por fim, veio um suflê de maçãs com uma espécie de creme de chocolate no fundo. O único escorregão, achei. Doce demais.

E assim foi. Um sábado memorável e um chef que ainda vai dar (mais) o que falar.

O menu:
  • Marinated eggplant
  • Pickled cauliflower and miniature pickles.
  • Cream of squash au gratin Amaretti garnished with apples.
  • Cured ham from the “Cabane PDC” and “tete fromagee”.
  • Goat yogurt with honey, slivers of foie gras on toast.
  • Ravioli stuffed with chicken livers, cavatelli apple sauce accompanied with a confit of foie gras.
  • Salmon “en papillotte” with escargots and apple cider sauce
  • Glazed apple beef roast, eggplant crepes, warm oysters, hazelnut brocoli and lettuce.
  • Apple Pie… A classic.
  • Soft marbled ice cream and apple sorbet.
  • Apple and prune cake (sticky toffee pudding) with caramel sauce

E mais Martin Picard:

Chef Martin Picard: quem é esse gentil gigante
O novo livro de Martin Picard
Minha descrição do livro, em detalhes, em inglês
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