18.9.11

Chef Magnus Nilsson, do Faviken, e o limite que separa o bom do podre







Coluna de quinta passada no Folha Comida...

Há algo de podre no reino da cozinha



Sempre ignorei a data de validade dos queijos; aquilo é algo vivo, que amadurece e muda de gosto a cada dia



Certa noite do ano passado, nos confins da Lapônia, sentei-me ao pé de uma lareira com um laptop para ouvir Magnus Nilsson explicar sua cozinha. Ao descrever em detalhes as fotos dos belos e singelos pratos que serve em seu restaurante Faviken, no noroeste da Suécia, o jovem chef me abriu os olhos.
Foi uma epifania: ele falou de embutidos curtidos por um ano; de alhos-porós armazenados em vidros no porão, em leve salmoura, servidos depois de atingirem um tom verde-oliva; de vaca em conserva.
Contou que serve uma entrada feita daqueles brotos que surgem em tubérculos guardados por muito tempo, que eu sempre achara repugnantes. Descreveu como transforma uma cabeça de repolho aparentemente podre em uma joia, descartando as camadas externas.
Naquela noite, ele forçou-me a ver o que deveria ser óbvio. Como no mundo dos queijos artesanais, fungos e podridões podem ser domados e postos a trabalhar em favor dos bons sabores.
Ao explorar a última fronteira entre o comestível e o roto, Nilsson mostra o quão vasta é a paleta de matizes de um mesmo ingrediente.
Tailandês deixa peixe fermentar para fazer dele seu condimento favorito. Mexicano põe fungo de milho (huitlacloche) em seu taco.
O prato emblemático do português é o bacalhau que, uma vez seco e salgado, desenvolve forte cheiro de "podridão peixosa".
No Norte, fazemos o mesmo com o pirarucu, sem falar que brasileiro não vive sem sua carne maturada.
Sempre ignorei a data de validade dos queijos. Aquilo é algo vivo, que vai amadurecendo e mudando de gosto a cada dia, a cada hora, tomando rumo conforme a embalagem, a temperatura, a luz.
O dinamarquês René Redzepi, que hoje já dispensa apresentações, tira cenouras da terra depois de mais de um ano para servi-las no Noma. Uma revelação!
A partir do momento em que se entende e se estica a longevidade de um ingrediente, ele se torna uma caixa de surpresas, um complexo universo a ser explorado.




E mais sobre Magnus Nilsson, neste link
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