11.9.10

Alex Atala e a gastronomia brasileira lá fora: ainda engatinhamos...

Jeffrey Steingarten no Cook it Raw, na Lapônia


Uma das minhas alegrias no evento Cook it Raw, na Lapônia, foi poder ter conversas bastante aprofundadas sobre gastronomia com jornalistas de alto quilate.

Foto: Luciana Bianchi


Exemplo: Jeffrey Steingarten, da Vogue, mais conhecido como O Homem que Comeu de Tudo....





Jeffrey Steingarten e Alex Atala na Lapônia

Mal me conheceu já começou a pegar no meu pé, no bom sentido. Batíamos altos papos, de horas. E ele tentava sempre me desmontar, quebrar meu argumento, expor lacunas de conhecimento (que não são poucas).

Eu e Jeffrey Steingarten. Foto: Food Snob

Os melhores trechos eu vou guardar em segredo, por enquanto, para o artigo que estou escrevendo, mas posso adiantar que tivemos alguns bate-papos acalorados, com a participação, a certa altura, de David Chang e Massimo Bottura.




Dava gosto ouvi-lo - e aprendi muito.

Mas a verdade é que eu também passei uns pitos em senhor Steingarten, que não manja nada de gastronomia brasileira e chegou a dizer a um cameraman do evento que até Atala surgir em cena não se servia mandioca em restaurante fino no Brasil. Não é bem assim, né?

E será que faroufah não conta? :)





Mas enfim: o ponto é que eu tive que explicar toda a história do primeiro uso de ingredientes "pobres" em restaurantes finos brasileiros, da chegada ao Brasil de Laurent S. e Claude Troisgros, etc etc etc. E olhem que Jeffrey é um dos homens com maior cultura gastronômica nas Américas. Mesmo. Ele sabe muito.

E no entanto, jamais tinha ouvido falar em Laurent Suadeau, por exemplo. Mesmo tendo estado duas vezes no Brasil recentemente, uma para o Paladar (evento gastronômico do Estadão) e outra para o Mesa Tendências, da Prazeres da Mesa.

Pensando nele, e no prazer que foi encontrar alguém com a mesma sede de falar desses assuntos, reproduzo textinho meu originalmente publicado na Wish Report, que, acho eu, vem bem a calhar:





Made in Brazil

    Atala, Atala, Atala. Parece que basta falar em gastronomia brasileira para o nome do chef surgir na conversa. Motivos, há de sobra: não se pode negar que ele levanta nossa bandeira lá fora como ninguém o fez antes. Já levou na mala tucupi e farinhas da Amazônia para o überchef Ferran Adrià, cozinhou pupunha em Londres e abriu palestra em Madri com um enorme filhote de pirarucu sobre o balcão.

   Mas as aparições de Alex Atala em eventos foodie são mera gota no oceano. A platéia já sabe bastante, presume-se, sobre as culinárias do mundo, inclusive a brasileira. Trata-se de um mundinho restrito. Mas e fora dali? Será que os não-foodies têm alguma idéia da riqueza de nossos xinxins, carurus, pudins e pastéis? Duvido.

  A verdadeira embaixatriz gastronômica do Brasil é a churrascaria. Pergunte a dez novaiorquinos na rua o que acham da nossa cozinha, e cinco ou sete deles responderão: “I love the churahscou. And the kahpirina”. Sim: eles, como nós, apaixonam-se facilmente pela fartura das carnes na grelha e pelo pileque súbito de uma caipirinha feita com jeito. As primeiras churrascarias rodízio apareceram nos Estados Unidos e na Europa na década passada, e a esta altura os estrangeiros sequer estranham o desfile ininterrupto de carnes no espeto ou os garçons de bombacha.

   Apesar do nome impronunciável para os americanos, a rede Fogo de Chão desbravou o Texas em 97 e, incrivelmente bem-sucedida, expandiu para incríveis dezesseis cidades americanas. Dezesseis! E dá-lhe churrasco... Encorajados pela improvável sorte de dois ex-garçons gaúchos na terra do tio Sam, outros restaurateurs foram no rastro. Hoje, a churrascaria mais chique de Nova York, a Plataforma, vive saindo na imprensa e é tida por muitos como o melhor restaurante de carnes da cidade. Centenas de pessoas refestelam-se ali diariamente e saem encantadas com a fartura e a brasilidade do banquete.

   Quase todos, claro, experimentam uma caipirinha. Tanto nas churrascarias como em bares da moda em toda parte, nosso drinque nacional nunca esteve tão em voga, graças aos milhões investidos em marketing por marcas de cachaça com ambições de serem as novas Bacardi, como Leblon, Sagatiba e Nega Fulô. Já era mesmo hora de descobrirem os encantos de nossa aguardente de cana. Mas ainda é pouco. Continuamos ali, estacionados no consciente dos estrangeiros como o país do churrasco e da caipirinha.

   Restaurantes finos fora do país especializados em cozinha brasileira? Ainda não há. Bel Coelho bem que tentou, ao se alistar como chef-executiva do londrino Mocotó, mas o negócio azedou. Aqui e ali, encontra-se um bom frango com farofa ou uma moqueca respeitável. Gisele, por exemplo, tem uma queda pela comidinha caseira do Casa, no Village novaiorquino. Lugar simples.





   O jeito é nos conformar-mos: ainda correrão muitos anos até que a gastronomia brasileira dê o passo que falta. Precisaremos não só de um Alex Atala, mas de um time de “Atalas”, jovens chefs conhecedores das cozinhas regionais e entusiasmados porta-vozes delas, abrindo restaurantes brasileiros de alto naipe lá fora. Na retaguarda, investidores graúdos. Enquanto isso, olhamos a banda passar.
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