Coluna publicada originalmente no portal Vida Boa de Yara Baumgart.
Durante anos fui jurada do guia anual de restaurantes da Veja São Paulo e nem piscava na hora de decidir meu voto de melhor espanhol. Dava sempre Don Curro, e de lavada. Em terra de cego....
Mas a lusitana roda. Em algum momento entre a coroação do El Bulli de Ferran Adrià como melhor restaurante do mundo e a proliferação dos restaurantes vanguardistas na Espanha, aquela nova gastronomia alastrou-se como queimada. Até que, de um ano para cá, a invasão destas paragens ganhou força total. A cada mês, recebo um email anunciando a inauguração de algum novo endereço de sotaque ibérico.
Os próprios espanhóis deram a largada no processo, de olho na riqueza crescente e na gastança desenfreada de nossas elites. Em São Paulo, chegaram com tudo. Sergi Arola, controvertido ex-pupilo de Adrià, instalou-se na cobertura do Tivoli, ex-Sheraton Mofarrej, servindo haute tapas. Os gêmeos Sergio e Javier Torres abriram o moderninho Eñe. Daniel Redondo casou-se com a guapa Helena Rizzo (trabalharam juntos em Girona, ao norte de Barcelona) e – embora não façam uma cozinha propriamente espanhola – imprimiram a marca da cozinha vanguardista catalã nos menus que criam em conjunto no Maní.
Água de tomate com burrata esferificada, no Maní: técnicas espanholas |
Neste início de ano, ganharam concorrente de peso – o ambicioso Clos de Tapas – sob o comando de uma brasileira e um espanhol de currículos estelares (leia post completo, com fotos, aqui).
Restaurateurs brasileiros não se fizeram de rogados. Ipe Moraes arrebenta de vender comidinhas espanholadas e chopes em sua perenemente lotada Adega Santiago. Bel Coelho – outra com passagem por Girona – depois de alguns passos em falso - acertou a mão com o Dui e seu anexo gastronômico Clandestino, onde se sente forte influência espanhola, das técnicas aprendidas na Catalunha à sangria do bar de tapas à entrada.
E nesta terra da garoa onde durante tantos anos penava-se para encontrar um mísero pratinho de jamón, hoje pode-se fartar de comer croquetas, tortillas e patatas bravas em lugares como Don Mariano, La Tasca, La Tapa, Maripili, Miró e NBox.
Apesar da acelerada proliferação dos bares tapas em São Paulo, curiosamente o melhor desta nova safra não fica aqui, mas sim no Rio. O Venga!, de tão bom e tão popular, acaba de dar cria. A matriz, em um apertadinho espaço no corredor gastronômico da Dias Ferreira, deu origem à vistosa filial em Ipanema, inaugurada há pouco.
E por falar em Rio, os irmãos Torres – que vivem na ponte-aérea Barcelona-Brasil – abriram por lá um segundo Eñe, point atual dos que adoram aquele frenético ver-e-ser-visto. Concorre diretamente com outro novo restô nitidamente alinhado com as cocções a vácuo, as espumas e os falsos caviares de caldos encapsulados importados da Espanha: o Oro, do mediático chef Felipe Bronze.
Tanto no high (modernidades e pirotecnias à la Ferran Adrià) quanto no low (pães, azeites, tomates, jamones, ovos, pimentões e o resto do universo das tapas) está claro que a Espanha está a dar as cartas por aqui. Natural, considerando-se que o país comanda, hoje, a cena gastronômica mundial. A única surpresa é a intensidade da sede que temos em recuperar o atraso, como se quiséssemos compensar, em uma orgia de croquetas e patatas, aqueles anos todos que passamos com olhos só para França e Itália.