30.5.11

Restaurante Clos de Tapas em São Paulo: um tecnoemocional à espanhola





Que bobinha que eu fui de acreditar que, lindo e chique daquele jeito, o restaurante Clos de Tapas, recém-inaugurado na Vila Nova Conceição, pretendia apenas ser um bom bar de tapas contemporâneas....  Imaginem se o restaurateur Marcelo Fernandes, o homem por trás de dois dos maiores cases de sucesso paulistanos, D.O.M. e Kinoshita, iria querer tão pouco...

Há tempos eu já desconfiava que o lugar seria bem mais do que um bar de tapas, mas mal sabia eu a que ponto.

Fui almoçar lá duas vezes esta semana e deixem dizer uma coisa: aquilo ainda vai ser um restaurantão no melhor sentido da palavra. Para concorrer com os melhores da cidade. Mesmo neste iniciozinho, a cozinha tem envergadura, complexidade, maturidade, precisão. E uma pegada nitidamente inspirada na vanguarda espanhola, mas usando muito ingredientes brasileiros. Uma coisa bem assim... Maní!

Não vou perder o tempo de vocês repetindo o currículo (impressionante) do jovem casal que comanda a cozinha. Resumindo, Ligia Karazawa, brasileira, e Raúl Jiménez, espanhol, conheceram-se quando cozinhavam no Mugaritz, um dos maiores restaurantes de vanguarda europeus (em San Sebastian). Ela trabalhou em restaurantes do primeiro time, como Can Fabes, El Bulli e El Celler de Can Roca. Ele tem no currículo passagens por: Café de Oriente, Casa Marcial, El Celler de Can Roca e Quique Dacosta.




Basta dizer que, assim como no Maní, qualquer semelhança com algo previamente visto ou provado no El Celler de Can Roca, na Catalunha, não é mera coincidência.... O restaurante dos irmãos Roca começa a espalhar discípulos pelo mundo, que, em maior ou menor medida, carregam no DNA um estilo de cozinha nitidamente "à la Roca" (para ver o que eu comi no Can Roca, #1 do mundo, clique aqui)

Isso dito, o casal parece determinado a trilhar caminho próprio. Bacana o uso de discos de massa de pastel neste amuse bouche, por exemplo, como se fossem torradinhas. Aí é só espremer um pouco de pasta de Catupiry do tubinho, salpicar o farelo de calabresa e mandar pra dentro.





O couvert inclui também verdurinhas e pimenta biquinho em picles, que chegam em um pote de vidro com pinça, à francesa, mas customizado com a etiqueta do Clos. Bem sacado e gostoso.




Meu primeiro almoço lá foi do tipo pra-estourar-a-boca-do-balão: um menu degustação que me prendeu à mesa (no bom sentido) por mais de quatro horas!
Começamos com um ceviche "bico-fino" cuja calda acidulada miraculosamente mudava de cor de lilás para rosa-choque conforme a gente ia comendo... não me peçam para explicar! :o




Lindo e ligeiro o pepininho com fina brunoise de melancia e pepino e ovas e espuma de limão...





Mas preferi o que veio em seguida, uma casca supermegacrocante de mandioca sobre leito de folhas com cubos de presunto e, embaixo, purê de mandioca. Bem diferente, bem cróc-cróc na boca, bem leve.





O almoço todo tinha ecos espanhóis, mas este prato, especificamente, se alinha com a nova moda nos tecnoemocionais europeus: uma certa obssessão em recriar paisagens e cheiros da floresta. Foi servido com uns musgos esfumaçantes (gelo seco), bonitos mas um pouquinho metidos a besta:





Uma coisa assim... bem como constumamos imaginar uma tapa, concordam? ;)
Provei também um siri....  que tinha o mais puro gosto de Bahia, servido com massinha com formato de grão de arroz (risoni) e um farelinho etéreo de dendê.





Na sequência veio um peixe ultra delicado, no ponto exato: namorado, feito na chapa, com molho de clorofila e bolotinhas de cacau.





Interessante jogo de texturas.... o pupunha que veio por cima, como um cabelinho frito, digamos, não tinha gosto de pupunha, era mero acessório para dar um crunch, e as bolinhas poderiam ter uma textura mais plóc-plóc, mas o namorado era maravilhoso.
Este a seguir era, essencialmente, um carpaccio de carne melhorado. A pincelada de cobre sobre a pedra era mais show do que outra coisa, mas a carne em si era um desbunde, temperinho na medida exata, uma ou outra folhinha para trazer um ligeiro amargor e frescor, raspinhas de limão siciliano e de pimenta rosa.





Pra esta esnobe de foie gras que vos escreve, que vive na capital norte-americana dos patos e gansos gordos, este a seguir deixou um pouco a desejar em untuosidade, mas achei louvável (embora arriscado) o casamento dele com tucupi e folhas de jambu:





Aí veio o pai de todos, o leitão à pururuca. E botem pururuca nisso!! Nham, nham, mil vezes nham.



A carne era tão molinha, a pele, tão crocante que eu nem tchuns pras verdurinhas ao lado (o rosa, por exemplo, era um rabanete tinto com suco de beterraba).
Que mais...
Um pré-dessert lindo de morrer... Esférico de inhame com melaço (delícia) e sorbet de abacaxi com hortelã (normal).



Reparem no detalhe da flor de erva-doce...




Aí veio a sobremesa em si, curiosa, que imitava um côco. Uma bolota gelada e branca, de interior cremoso, passada no pó de chocolate, que o garçom parte ao meio à mesa, à sua frente. Ao lado, um farelo de curry. E, por baixo, creminho gelatinoso de maracujá.






E para encerrar, lindas mignardises - delícia o minitablete de chocolate branco com laranja (o quadradinho amarelo é de dendê com leite de côco):




Como podem ver, um senhor almoço, repleto de referências, conceitos, técnica.
Resolvi voltar três dias depois, em busca de tapas.
Confesso que não achei-as, mas em compensação, comi muito, muito bem. Abrimos os trabalhos com queijo coalho, bem tostadinho, cada quadrado com um complemento diferente: melaço esferificado, jiló, espuma de limão, e o melhor de todos: pimenta bode.




Sugeri ao meu amigo que provasse o leitão à pururuca. Sucesso absoluto. Ele amou também a galinha d'angola com arroz, que chegou à mesa literalmente defumada (um fumacê de ervas contido sob um belo domo).




Eu pedi o soba (macarrão japonês) com cogumelos e caldo dashi, homenagem ao vizinho Kinoshita. Umami na veia. Show!





Provamos também umas deliciosas "batatas na caixa", ocas por dentro e recheadas, por baixo, com um creminho bom demais.




E também gostamos dos crocantes de milho com carne seca. Ao lado, vinha uma pipeta contendo dendê e leite de côco. Divertido!




E a sobremesa era... um espetáculo: vinho e uvas em diversas texturas e formas (sorvete, cubinhos gelificados, calda) e, fingindo-se de rolha, um bolo cilíndrico de amendoim feito com a famosa técnica "ferranadriaesca" de microondas:




Resumindo: apesar do nome, não vá ao Clos de Tapas esperando tapas. Vá, sim, para provar pratos assumidamente vanguardistas e incrivelmente elaborados, em um ambiente para lá de elegante e banhado de luz natural. O Maní que se cuide.... Esse Clos de Tapas e o casalzinho brazuco-espanhol que comanda a cozinha ainda vão dar muito o que falar, podem apostar...

Clos de Tapas: Rua Domingos Fernandes, 548, quase esquina com Jacques Felix, Vila Nova Conceição, www.closdetapas.com.br
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