12.9.12

Mistura, a incrível festa celebrando a gastronomia peruana



Lavradoras andinas, orgulhosas do prêmio "Rocoto de Oro" que ganharam no Mistura


Acabo de chegar em casa, ainda "misturada", como diria a chef Roberta Sudbrack, com tudo o que vi em Lima e no fantasticamente democrático evento Mistura, que está mais para festa popular do que fórum de gastronomia.

Fui cobrir o evento para a Folha - a matéria está no jornal de hoje.

Os organizadores estimam que 600.000 pessoas compareçam à feira, que conta com 330 seguranças e boa infra-estrutura.  O ingresso custa o equivalente a 15 reais e a maioria vai em busca de diversão (há shows musicais, bonecos e dançarinos) e uma infinidade de comes e bebes (cujos preços variam de 8 a 15 reais).

Foto: APEGA



No gigantesco parque Campo de Marte (190,000 metros quadrados!!) foram montadas 54 barracas de restaurantes e 75 carrinhos dos mais diversos tipos de comida, de bombons de chocolate e churros a ceviches e anticuchos (espetinhos típicos, de coração de boi).

Provando o porco à pururuquíssima da La Caja China
com Quique Dacosta e Gastón Acurio
Foto: Victor Idrogo



Havia ainda 16 espaços do que chamam de “cozinha rústica”: cercados com fogueiras, fornos e fogões a lenha, e porcos assados no fogo de chão ou em tambores de lata e panelões de cozidos.

Multidões pacíficas passeavam pela feira e sentavam-se em mesas de piquenique para comer.

Foto: APEGA



 “É pirante”, disse a chef Roberta Sudbrack do restaurante homônimo, no Rio, cuja palestra abriu o evento. “Deveríamos ter algo parecido no Brasil!"

 Rodrigo Oliveira, do restaurante Mocotó, que não palestrou mas fez dois jantares no restaurante de cozinha amazônica Amaz, fez coro: “no Brasil faltam o apoio do poder público e recursos”.  Ambos, como a maioria dos outros chefs entrevistados, diziam estar impressionados com o aspecto popular do evento e o entusiasmo e orgulho coletivos dos peruanos por sua gastronomia e seus ingredientes nativos.

A primeira-dama Nadine Heredia discursando na inauguração do Mistura 
Foto: Apega


   Desculpando-se pela ausência do presidente peruano Ollanta Humala, que estava na Rússia, a bela primeira-dama Nadine Heredia deu show de oratória no último dia 7 em Lima ao discursar na abertura da feira gastronômica Mistura. “Nossa cozinha está se irradiando pelo mundo, cativando paladares, olfatos e visões. Para mim é a maior honra declarar inaugurado o mais importante evento de gastronomia do continente”, disse, fazendo também um apelo para que o povo e os cozinheiros “lutem pela biodiversidade” e “comecem uma nova lógica de que comer à peruana é comer saudável”.

Passeando pelo Mistura com Gastón Acurio e Quique Dacosta


Tive a grande sorte de ser guiada pela feira por ninguém menos que Gastón Acurio, com exclusividade. Veio conosco o chef Quique Dacosta, da Espanha, que foi a Lima para dar uma palestra no Mistura (leiam entrevista que fiz com ele, no site da FOLHA). Ficou absolutamente maravilhado com o que viu no "passeio" com Gastón.

Chefs Quique Dacosta e Gastón Acurio, posando em frente ao painel
onde "mistureros" são convidados a deixarem seus comentários sobre a feira
Foto: Victor Idrogo


Nem mesmo a primeira-dama conseguiu ofuscar a atenção dirigida a Gastón Acurio, mais famoso e carismático chef do Peru, proprietário do Astrid y Gastón e inúmeros outros restaurantes no Peru e pelo mundo.

Gastón Acurio e a dona da banca descrevem diferentes batatas



Infinidade de quinoas no Mistura  Foto: Victor Idrogo


Ele fundou o evento anual, que está em sua quinta edição e tem um impacto impressionante. Ano passado ele abdicou da direção do Mistura, passando o bastão para a Apega – Associação Peruana de Gastronomia – e explicou que “o poder tem que ser temporário, agora outros vão dar continuação ao que começou como um pequeno sonho meu. Apesar do desligamento oficial, era seu nome na ponta de todas as línguas. Tratado como estrela de primeiro quilate, Gastón Acurio atrai multidões por onde passa, necessitando de seguranças para conseguir andar.

Gastón, à esquerda, seguido por bando de fotógrafos
Foto: Victor Idrogo


Chef Gaston Acurio posa para foto com lavradora andina, no Mistura
Foto: Victor Idrogo


  “Una fotito por favor!” e “Gastón, un autógrafo!” iam implorando as pessoas que seguiam-no como uma procissão de fãs fascinados. De senhoras idosas a grupos de estudantes e crianças pequenas, tentavam furar o bloqueio dos guarda-costas e faturar a tão sonhada foto (poucos conseguem). Sob uma grande tenda com teto de palha batizada de “el mercado”, fazendeiros andinos, com sorrisos largos, vestindo trajes típicos e cheios de ouro nos dentes, exibiam-nos o fruto de seu trabalho no campo. Acurio ia descrevendo tudo, dando incontáveis apertos de mãos, posando para fotos, provando amostras, fazendo perguntas e encorajando-os: “Êxito!”, ou “Sorte, campeão!”.


Foto: APEGA


 Havia batatas de inúmeros tamanhos e cores, algumas belíssimas, rajadas de roxo ou cor-de-laranja. Um senhor explicou porque planta 70 variedades distintas de quinoa, um dos produtos icônicos do Peru, em sua chácara de três alqueires nos Andes : “Cultivo o necessário, e é necessário porque é nosso dever manter a biodiversidade, somos do campo e nascemos com essa cultura”.

Grãos peruanos, homenageados este ano no Mistura
Foto: Victor Idrogo

Achei incríveis umas batatas desidratadas, duras, esbranquecidas, que Gastón mostrou-nos. Os andinos secam-nas no gelo dos Andes, assim podem guardá-las o inverno todo. Devem ralar essas "pedras" de batata, como se fosse katsuo boshi, imagino...

Batatas desidratadas pelo gelo dos Andres
Foto: Victor Idrogo

Segundo Acurio, esse espaço, montado como uma feira onde expõem-se e vendem-se também pimentas, frutas da selva, queijos e muito mais, serve para mostrar aos peruanos o que eles têm em seu país.

Provando uma cerveja de milho (não dá pra dizer que seja gostosa....)
enquanto Gastón engole uma garfada de
pimentão recheado
Foto: Victor Idrogo

“É uma cadeia virtuosa, quando chefs veem algo aqui e o incorporam a seus menus cria-se uma cadeia virtuosa e fortalece-se o orgulho pelo que a terra nos dá”, disse Acurio. Ressaltou que há hoje em Lima 200.000 crianças desnutridas e culpou em parte “o marketing que prioriza alimentos industrializados”.

Quique Dacosta dando palestra no Mistura
Foto: Apega


Enquanto dezenas de milhares de pessoas passeavam pela ruidosa e festiva feira, formando imensas filas em suas barracas de comida favoritas e lotando o que parecia ser um mar de mesas de piquenique, o clima era bem mais sério no auditório em que chefs peruanos e estrangeiros apresentavam suas receitas e filosofias. Na plateia, havia principalmente estudantes de gastronomia e jornalistas vindos de vários países.

O pâtissier espanhol Paco Torreblanca, no Mistura
Foto: APEGA


Este ano as maiores estrelas eram os espanhois Paco Torreblanca (pâtissier), Joan Roca (do El Celler de Can Roca, cotado como o segundo melhor do mundo) - cujas palestras perdi, porque já tinha ido embora de Lima - e Quique Dacosta, do premiadíssimo restaurante homônimo, e o italiano Massimo Bottura, da Osteria Francescana.

Este último comoveu a plateia com seu discurso poético ligando arte, emoção e cozinha.


Massimo Bottura depois de sua palestra no Mistura, dando autógrafos e posando para fotos: legião de fãs
Fotos: APEGA




Ligadíssimo ao mundo artístico, ele acaba de reinaugurar seu restaurante, e descreveu como agora integra ainda mais arte contemporânea do que na encarnação pré-reforma.

A chef Roberta Sudbrack, apresentando-se no Mistura
Foto: APEGA


   Dacosta e Bottura apresentaram seus restaurantes e receitas altamente vanguardistas, com a ajuda de vídeos mostrando os passo-a-passos. Roberta Sudbrack, do restaurante homônimo no Rio, representou muito bem o Brasil. Abriu a série de palestras falando dos laços íntimos que busca criar com seus fornecedores. Por respeito aos ingredientes prefere trabalhá-los com as mãos, transformando-os o mínimo possível, explicou.

A chef demonstrou três receitas de seu repertório brasileiríssimo, usando, entre outros ingredientes, farinha de parte interior de cascas de banana e rapadura. Improvisou uma quarta receita com produtos peruanos que encontrou no mercadão de Lima: pão, quinoa e algazinhas esféricas que a encantaram.



E mais gastronomia peruana no Boa Vida:




  

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