Viajo tanto, vejo tanta coisa pelo mundo afora, que acabo me esquecendo de falar do meu próprio quintal – que não é qualquer quintal, diga-se. Divido meu tempo entre São Paulo e Montreal - essa segunda, uma cidade absolutamente apaixonante durante os meses de verão e outono. Quando conto para pessoas que moro em Montreal, a primeira coisa que perguntam é como eu aguento o inverno. Acho que poucos se dão conta de que o frio intenso dura quatro ou cinco meses apenas. No resto do ano, Montreal tem um clima super agradável e muito sol.
O mais divertido é que quando a neve derrete e as flores voltam a brotar, as pessoas já estão para enlouquecer, num fenômeno chamado cabin fever (espécie de febre figurativa de tanto ficar dentro de casa). Resultado: assim que o clima permite, em maio, passam seus dias e suas noites nas ruas e nos parques. Por isso a cidade tem um vibe único e os turistas sentem a vida pulsando a cada esquina e em cada praça.
Não estou exagerando: nunca vi uma cidade com tantos barzinhos e cafés com mesa na calçada (nem mesmo Paris), ou tantas ciclovias. Nos meses quentes, muita gente prefere ir ao trabalho ou à faculdade de bicicleta, também para aproveitar o sol e o ar fresco (pega até mal insistir em se locomover de carro). A partir de maio, proteções de inverno vão para armazéns nos porões, portas-balcão se abrem e as mil e uma terrasses são reabertas: todo restaurante tem a sua. Nos fins de semana, os locais lotam os lindos parques da cidade, estendendo panos na grama para seu piquenique ou percorrendo os muitos quilômetros de trilha a pé ou em patins in-line.
O mais bonito dos parques é também o que dá nome à cidade: Parc Mont Royal. Montreal se chama assim porque tem, de fato, um monte, ou um cocoruto no meio da ilha, com uma cruz no cume. Esse monte é habitado – até um certo ponto. Ali ficam as mansões mais lindas.
E lá no alto está o parque, com mil e uma trilhas para caminhada, uma lagoa frequentada por castores (aqueles bichos dentuços de rabo rugoso típicos do Canadá) e um mirante. Na parte do parque que bordeia a Avenue do Parc rola, aos domingos, o chamado Tam Tam Jam. Uma galera jovem e desencanada vai chegando, com tambores, pandeiros e outros instrumentos, e lá pelo meio-dia começam a fazer uma batucada improvisada, que vai mudando de ritmo e intensidade e tem um efeito quase hipnótico. Os menos musicais dançam ao redor.
Outro pedaço da cidade que desabrocha com a chegada do calor é Vieux Montréal, o centenário bairro de ruelas estreitas às margens do Rio São Lourenço. Antes armazéns, seus antiquíssimos sobrados de pedra hoje são ocupados por galerias de arte, charmosos restaurantes e lojas de souvenirs divertidas onde se encontram chapéus de pele ou mocassins de esquimó.
Seguindo a pé,pela rua de La Comune, que bordeia o parque, se chega ao Marché Bonsecours, com seu belo domo prateado e arquitetura neoclássica, que abriga lojinhas de roupas e artesanato. Um charme!
De Vieux Montréal você pode cruzar uma ponte de bike ou ônibus e ir conhecer a ilha de Notre-Dame, onde fica o cassino (mais de 3 mil caça níqueis, pôquer, blackjack, shows, quatro restaurantes), o circuito de Fórmula 1 e uma prainha artificial muito simpática. Sim, você leu direito: praia artificial, com direito a areia fofa e um laguinho limpo para nadar.
Há ainda um Jardim Botânico no extremo leste da ilha, onde ao cair da tarde acendem mil e uma lanternas de papel colorido no pavilhão chinês, um verdadeiro espetáculo. No verão, Montreal não pára: batucada, piquenique e trilhas de bike de dia, e festivais sem fim à noite.
A ferveção atinge o nível máximo durante o Festival de Jazz, que acontece em julho.
São mais de 500 shows, incluindo muitos gratuitos e ao ar-livre, indo de afrobeat a música árabe. Tudo isso num calor de 25 graus, temperatura média em julho. Vejam só essa vídeo-reportagem que fiz sobre o festival e onde comer ali perto:
Se você pensava que era só um presepiozinho gelado e civilizado, passe um dia de verão curtindo o burburinho na rua Crescent e depois me diga: essa é ou não é a cidade mais fervida da América do Norte?
Ainda duvida? Olha só como fica a rua Crescent no verão:
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