Chef René Redzepi na Finlândia |
O difícil de ter um blog é ter vontade de contar tudo o que eu vejo, mas... não poder.
Não posso falar muito, por exemplo, do incrível banquete de encerramento do Cook it Raw, na última segunda-feira na Lapônia (norte da Finlândia). Afinal de contas, se eu falar estrago a surpresa: pretendo conseguir algumas das receitas para acompanhar a matéria sobre o evento, que irá sair na Prazeres da Mesa.
Mas algumas fofoquinhas de bastidores, como a curiosa história de como foi que eu consegui ler em primeira mão o livro novo do Noma, dá pra contar.
Aconteceu o seguinte, no último dia do Cook it Raw: os organizadores proibiram os jornalistas de passarem o dia na fazendinha onde os chefs estavam. Os chefs precisavam se concentrar, precisavam de paz e espaço e distância dos flashes e gravadores.
Mas..... como assim?! Quase morri de desapontamento. Pô, a parte mais legal! Os chefs em ação! A mise en place, as dúvidas de que caminho tomar com certa receita, acertadas a meio caminho; os brainstorms... não queria perder aquilo de modo algum.
Estava eu com um bando de gente em um reindeer killing (fazendeiros mostrando como se faz o abate de renas, bem surreal, deram um tiro de pistola na testa do bicho!).
E então eis que surge o Mattias, o food writer bacaníssimo de quem falei no último post e me diz: "pshhht! Alex! D'you want to come with me to see the chefs cooking?"
Óbvio que sim! Eu já estava farta das atividades em grupo e tinha muita pressa de achar um lugar quieto onde eu pudesse ler um certo livro....
Entramos quietinhos numa van e dez minutos depois... pimba! Chegamos na fazenda do banquete, praticamente ao mesmo tempo que os chefs. Alegria! Fiquei dando umas passeadas pelos fundos da cozinha, vendo os ingredientes, fazendo perguntas, cheirando isso, experimentando aquilo.
Vi e ouvi coisas interessantíssimas (aguardem a reportagem da Prazeres!).
Aí chegou uma hora que o Mattias resolveu ir embora e eu sobrei lá com os chefs. Um homão nórdico surgiu do nada e me disse: "Venha comigo, você deve estar cansada". Peguei minha tralha e segui os passos dele, até uma casona bem rústica a 50 passos da cozinha dos chefs. Era uma espécie de chalé de madeira, sem placa na porta. Entramos. Não havia viv'alma. Simpático salão alpino com lareira, piso e paredes revestidos de madeira clara, cortininhas rendadas.
Eu tinha ido dormir as 5h30 da manhã. Quase não me aguentava mais de pé. O homem disse apenas:
"Descanse quanto tempo quiser, temos camas, banheiros, tudo o que você precisar".
E foi embora.
Fui andando por um corredor que dava para vários quartinhos fofos, bem simples mas acolhedores. Deveria ser uma hospedaria, decerto.
Mas porque tão deserta? Ao final, uma salona de massagens com várias macas e toalhas e creminhos e um robe.
Escolhi um dos quartos. Tirei a roupa, vesti o robe da massagem. E aí tirei da mochila um tesouro que tinha descolado no dia anterior, com muito jeitinho: o número zero do livro novo do René Redzepi, chamado NOMA, Time and Place in Nordic Cuisine. Poder ler aquilo em primeira mão... que sorte!
Esse livro, vocês vão ver, vai ser notícia no mundo todo, logo mais. Sai em outubro. Aquele na minha mochila era o exemplar pessoal do René que... ele emprestou pra mim! Essa seria minha única chance de lê-lo. Enfiei-me debaixo das cobertas e li.
E li.
E li mais, até o fim.
Que coisa incrível foi aquilo.
Chefs Claude Bosi (à esq.) e René Redzepi rodeando meu chalé |
Os prados finlandeses à minha volta, o chef René Redzepi passeando lá fora, colhendo ervas, preparando-se para o banquete... realmente jamais poderia haver melhor lugar ou hora para mergulhar no fantástico mundo do Noma. Ao virar as últimas páginas as pálpebras pesavam, e entreguei-me ao sono.
Acordei três horas mais tarde com o ruído de gente passando do lado de fora do chalé. Olhei pela janela e vi um entardecer absolutamente mágico e dourado, os azuis e os verdes encharcados de cor.
Temendo perder valiosas horas na cozinha dos chefs, levantei correndo, tomei um banho rápido e voltei ao trabalho, com o livro debaixo do braço (mas não sem antes fotografar umas páginas.....).
Meia hora depois, a Emilia Terragni, editora da Phaidon, me achou e pediu o livro de volta. Ufa! Ainda bem que eu tinha lido ele todo!
Naquele fim de tarde eu senti que meu anjo da guarda estava ao meu lado: um cenário saído de uma pintura de museu, os chefs perambulando soltos, longe da habitual "entourage", uma hospedaria inteira só pra mim, valiosas horas de paz e silêncio para ler o livro de cozinha mais aguardado do ano....
Life was good, very good.
E pra quem quiser saber mais sobre o livro NOMA, Time and Place in Nordic Cuisine.... infos tiradas do site da Phaidon:
- An exclusive look at one of the most interesting restaurants in the world, Noma, and its influential head chef René Redzepi (b.1978)
- Includes over 90 recipes, each created by Redzepi and served at Noma
- Reveals the philosophy and processes behind the two-Michelin-starred Copenhagen restaurant
- Details Redzepi’s reinvention of Nordic cuisine, his obsession with fresh and local produce from across Scandinavia, his continuous search for new ingredients and his never-ending experimentation
- Over 200 specially commissioned photographs showing finished dishes, the local ingredients, the restaurant’s suppliers and the inspiring Nordic landscape
- With an introduction by the artist Olafur Eliasson
como é que se diz 'inveja' em laponês, finlandês, dinamarquês ou whatever?
ReplyDeleteRerere.... não nego, Miguel, é pra morrer de inveja mesmo. In-crí-vel.
ReplyDeleteQue delicia, Alexandra... agora vc tem o dever e obrigaçao de escrever o seu livro! Com direito à tooodos os detalhes pra eu ficar me deleitando horas e horas....uhahuahuua...
ReplyDeleteUau, que texto! E que experiência!!!!!
ReplyDeleteO livro do Noma é a maior obra-prima que já ví no mundo da culinária,
ReplyDeletede beleza chocante , e pura poesia para visão e o paladar .
Que momento especial...
Mas esta foto da pobre Rena com um tiro na cabeça...Ninguém merece! :)