Pra quem lê este blog buscando dicas de viagem, o que vem a seguir não vai interessar muito. Aliás, não vai interessar MESMO: o post parece uma bíblia de tão longo!
Mas para chefs e restaurateurs não há hoje no mundo coisa que interesse mais do que o ranking dos 50 Melhores Restaurantes do Mundo. Simplesmente muda o jogo entrar naquela lista. O restaurante lota, o chef, se já não era, fica famoso. Um atalho à glória, portanto.
Recebi esta semana, do chefão da coisa pra América do Sul, o Josimar Melo, o convite habitual para voltar a integrar o júri. E de cara eu notei: mudaram as regras! Não são mais 5 restaurantes em que devo votar, mas sim 7. E achei divertida a parte que diz que serei solicitada a confirmar quando jantei nos lugares indicados - ainda bem que não sei mentir! :)
Como vivem me perguntando como é que o pessoal da revista Restaurant rege a votação, resolvi reproduzir a seguir as "regrinhas" que o Josimar me mandou, que já esclarecem muito.
• Você deverá nomear nem mais, nem menos, do que 7 restaurantes.
• Você pode votar em até 4 restaurantes em sua própria região (Brasil). Os 3 ou mais restantes devem ser localizados fora da sua região
• Você deve ter comido nestes restaurantes nos últimos 18 meses
• Você será indagado por que votou na sua escolha número 1. (EPA! Isso aqui também é novidade!)
• Você será solicitado a confirmar quando você visitou os locais.
• Se você trabalha, é dono ou tem vínculos financeiros com um restaurante, não pode votar nele
• O voto é para o restaurante, não para o dono ou o chef.
• Todas as indicações são confidenciais e não serão divulgadas sem o seu consentimento
DÚVIDAS FREQUENTES
• Os jurados podem votar em qualquer restaurante que quiserem, desde que o tenha visitado nos últimos 18 meses
• O jurado que não votar no prazo não será contabilizado, sendo substituído por outro
• Os restaurantes que compõem a lista não têm que vender qualquer produto
• A Restaurant Magazine organiza o evento e contabiliza os votos. A S. Pellegrino é patrocinadora, e não pode influenciar os voto ou os resultados.
Antes que já queiram me dizer que esse ranking dos World's 50 Best é balela, já vou dizendo: todo ranking relevante gera controvérsia.
Ninguém vai reclamar se o Diário de São Genoíno publicar uma tabela listando os dez melhores bares do Rio (uma árvore quando cai na floresta faz barulho?). Mas quando um ranking ganha a importância que tem hoje o The World’s 50 Best, e elege anualmente os 50 melhores restaurantes do mundo, a coisa certamente “pega”.
Trata-se de um ranking novo, que começou em 2002. Iniciativa dos editores de uma revista inglesa menor, dirigida ao trade, chamada Restaurant.
No começo, por serem ingleses, chamavam jurados principalmente ingleses. E eram poucos. Resultado: só dava restaurante londrino nos top 50, óbvio, embora o El Bulli já na estreia tenha levado o prêmio de número 1 do mundo (o que contribuiu enormemente para ele ficar famoso no mundo todo). Se vocês acham os resultados injustos hoje em dia, ficariam então totalmente chocados com o ranking daquela época, super eurocêntrico – pensando bem, era um absurdo dizerem em 2002 “melhores do mundo” quando mal se via outro continente representado além de Europa e América do Norte.
Vieram as críticas.
Logicamente, os editores da revista perceberam que tinham que abrir o leque. Começaram a convidar mais jurados de outros países. Processo que continua até hoje. Incumbiram um jurado-mór em cada uma das principais regiões do mundo de convidarem pessoas de seus respectivos “territórios” para fazer parte do júri.
Foi assim que o Josimar Melo me chamou quatro anos atrás para ser jurada.
E foram mudando as regras do jogo. Na revista Restaurant deste mês eles explicam como é feito o ranking hoje em dia:
“Dividimos o mundo em regiões votantes, cada qual com seu chairperson que por sua vez nomeia um júri de 31 membros composto de respeitados e viajados chefs, restaurateurs e críticos gastronômicos, e cada um deles vota em cinco restaurantes, sendo que no máximo três podem ser de sua própria região. A lógica por trás disso é ajudar a evitar regionalismos.
O mundo foi dividido em 26 regiões, baseadas no tamanho e na maturidade das respectivas cenas gastronômica. Por isso alguns países europeus, como a França, constituem uma região por si sós enquanto outros países são agrupados para formar uma região, como por exemplo Dinamarca, Noruega e Suécia. (…)
Para se votar em um restaurante é preciso ter ido comer nele nos últimos 18 meses e ninguém pode votar em seu próprio restaurante. No total 806 jurados votam, dos quais 264 votaram pela primeira vez nesta edição 2010, garantindo assim opiniões frescas e independentes. (..)
Não é uma ciência exata, mas até aí não argumentamos que seja. Achamos, isso sim, que se trata de uma lista honrosa e bem-feita.”
Qualquer um que leia as explicações acima irá dizer que o sistema pode privilegiar os chefs e restaurateurs que fazem parte do júri, que teoricamente podem até combinar de votar uns nos outros. De fato, essa é uma de muitas maneiras possíveis de “dar uma roubadinha”. Outra “roubadinha” possível seria votar em um restaurante sem jamais ter pisado nele: os editores da revista não têm como checar se cada jurado foi mesmo experimentar cada restaurante em qual votou, como deveria.
Só que se este ranking é falível, como de fato o é, preciso lembrar que todos os rankings o são. Prefiro não mencionar os rankings brasileiros porque alguns deles são publicados em revistas da Editora Abril, para a qual trabalho.
Mas sem citar nomes de publicações, posso dizer que cansei de receber email de dono de restaurante paulistano pedindo para clicar no link tal e votar na eleição tal de melhor francês, melhor italiano, whatever.
Chef não pode ser jurado!, protestam alguns. Tá. Então comecemos um movimento para impedir que atores votem nos Oscars, que tal?
O fato é que essa coisa de ranking com base na opiniões de jurados sempre contém injustiças, por mais séria e indenpendente que a publicação possa afirmar ser. Acontece muito de um jurado ir à Espanha a convite do restaurateur X, outro jurado ser amigo do chef fulano e por aí vai. Coisas da vida, e que acabam influenciando, sim, opiniões e votos.
O que estou querendo dizer? Que o ranking dos top 50 da Restaurant deve ser visto não como uma declaração absoluta de tal restaurante é melhor do que tal. Nao acho que a lista defina os MELHORES restaurantes, mas sim os mais IN – e digo isso no bom sentido. Os mais relevantes, os que mais atraem chefs e gourmets hoje, os mais inovadores. Os que estão em alta e que um grupo grande de pessoas julga valerem o desvio em uma viagem, por serem “destination restaurants”.
Apenas isso.
800 e tantos jurados… não é pouca gente. E os votos deles todos, bem ou mal, acabam servindo pra tomar o pulso da cena gastronômica mundial.
O Noma, vencedor este ano, pode não ser necessariamente o MELHOR restaurante do mundo, no sentido de ser o lugar com o melhor serviço, o melhor ambiente, a comida mais gostosa. Talvez o Ducasse no Plaza Athenée ofereça um ambiente mais bonito e confortável. Talvez o serviço ultra-polido do Per Se ganhe. Mas o Noma levou o prêmio de número 1 porque muitos jurados consideram-no um restaurante fantástico, que está influenciando chefs ao redor do mundo, quebrando pré-conceitos e apresentando de forma brilhante e NOVA ingredientes absolutamente desconhecidos do público. Mudando o jogo, em suma. E pra mudar o jogo é preciso genialidade.
A própria revista Restaurant explicou muito bem o que fez do Noma o campeão:
“Descrever o Noma como um lugar que põe em evidência produtos locais e sazonais é um pouco como dizer que Picasso sabia desenhar bem. Nem começa a explicar até aonde René Redzepi e seu time estão prontos a ir em busca do melhor produto que a Escandinávia tem a oferecer. Nem começa a explicar como buscam ingredientes selvagens nas florestas e nos mares, o que desencadeou o surgimento de um grande network de “colhedores” profissionais e fazendeiros que se tornaram fornecedores. Até os próprios chefs, nos dias de folga, partem para o mato para colher plantas para a cozinha. Todo ano colhem 100 quilos de rosas selvagens na praia, que em seguida conservam em compotas. (…)
O Noma persegue seu lema com um objetivo lógico, de reconectar os clientes com a fonte de onde vem a comida servida, levando-os em um safári culinário, empurrando-os em direção dos bosques selvagens – não literalmente, claro, mas com uma sucessão de sugestões sensoriais que vão muito além do que está no prato. Couros animais pendem dos encostos das cadeiras, janelas dão para águas geladas e cinzentas e há velas por todos os lados. O próprio espaço se integra ao tema: trata-se de um velho galpão de armazenagem de sal e banha de baleia e o sal continua entranhado em suas paredes.
Há pratos que se come com as mãos: tartare de carne com wood sorrel (espécie de azedinha) que você rasga com os dedos e mergulha em um molho de zimbro selvagem e estragão; ou o rabo de lagostim servido sobre uma pedra quente com pó de alga e gotinhas salgadas de salsinha e suco de ostras.”
Melhor do mundo, pode não ser. Mas a última vez que eu li uma descrição tão interessante e intrigante de um restaurante, eu acabava de jantar lá e, duas semanas depois, soube que tinha sido eleito número 1 do mundo.
Foi em 2005, e o lugar se chamava… The Fat Duck.
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