30.9.10

Mario Batali no Olimpo: 4 estrelas no N.Y. Times e primeiro Identità Golose NY no Eately



Em Nova York esta semana não se fala em outra coisa senão as quatro estrelas dadas pelo jornal The New York Times ao restaurante Del Posto, no Meatpacking District, do celebrity-chef Mario Batali. Não há glória maior para um chef nas Américas: a cotação máxima no Times equivale a receber a terceira estrela Michelin para um europeu.

Em seu Twitter, o chef exclamou: “Holy shitaly!!! We just got 4 stars from the NY Times for del Posto!! First Italian restaurant in 36 yrs to get 4”.

Nova York, cidade onde todo mundo se acha um capacitado crítico de restaurantes, não perdoa os verdadeiros críticos de restaurantes. Falem mal ou falem bem, eles estão quase sempre "equivocados".

Em sites e fóruns online centenas de pessoas expressaram reações que vão do choque ao desapontamento, da surpresa à revolta. Afinal de contas, são pouquíssimos os restaurantes dignos das tão almejadas quatro estrelas, e querer inserir mais um nesse Olimpo é cutucar vespeiro.

Houve muita gente clamando pela volta do Frank Bruni, antecessor do Sam Sifton nessa importante função no jornal. O próprio Bruni, entretanto, alistou-se no time dos que aprovaram a “promoção” do Del Posto. Ele declarou à revista New York que “Sam é um analista de restaurantes dos mais conhecedores, balanceados, apaixonados e entendidos, e provavelmente já comeu duas mais vezes no Del Posto do que qualquer outra pessoa no último ano. Não há uma razão no mundo para questionar suas quatro estrelas. Eu não questiono. Estou empolgado pelo restaurante e pelo Sam.”

Estive lá uma vez apenas mas a-do-rei e sempre recomendei a amigos - agora, está mais do que na hora de voltar. E sugiro que, a partir de agora, quem quiser ir lá experimentar lembre-se de ligar com muita antecedência!

Del Posto: 85 Tenth Ave., tel. (212) 497-8090, www.delposto.com


Crítica do Del Posto no The New York Times, por Sam Sifton, na íntegra.


BUT WAIT! Tenho outra novidade boa do Batali.....

Sabem o que vai rolar em outubro no Eataly, o mega mercado gourmet com forte sotaque italiano que ele acabou de abrir em Nova York? O primeiro Identità Golose em solo americano.

Estive há pouco em um super evento de chefs, o Cook it Raw!, onde conheci o jornalista e crítico gastronômico italiano Paolo Marchi. Ele fundou esse fórum de gastronomia chamado Identità Golose que,  embora tenha originado em Milão, está se expandindo rapidamente e agora em outubro chega a Nova York.

Marchi me contou um pouco do programa em primeira mão, que nem sequer está no site deles ainda. O Identità NY irá de 12 a 14 de outubro, e a julgar pelo prestígio que goza a versão milanesa, tenho certeza que os ingressos sumirão rapidamente... por isso, quem planejar estar em Nova York e quiser ir deve reservar o quanto antes...

Estarão lá, cozinhando, alguns dos maiores chefs da Itália. Vejam só o line-up:

Família Alciate, verdadeira lenda piemontesa. Guido, o patriarca, tem o famoso restaurante Guido da Costigliole. Ugo toca o Guido a Pollenzo, perto de Bra. Mas há vários outros membros da família envolvidos, em maior ou menor grau, nesses dois restaurantes e em outros negócios de boa mesa e bom vinho no Piemonte. Estarão em Nova York falando do assunto que dominam como ninguém: agnolotti.

Massimo Bottura preparando línguas
de rena sous vide na Lapônia


Massimo Bottura, o gênio criativo por trás da Osteria Francescana, em Modena, número 6 do mundo na lista do World’s 50 Best Restaurants.
www.osteriafrancescana.it

Davide Scabin, Combal.zero, em Turim, no Piemonte, duas estrelas Michelin
www.combal.org

Davide Scabin na Lapônia
 

Moreno Cedroni, do Madonnina del Pescatore, na região do Marche
www.morenocedroni.it 

Pino Cuttaia
La Madia, na Sicília, duas estrelas Michelin
www.ristorantelamadia.it

 Eately: 200, Quinta Avenida, tel. (646) 398-5102, http://www.newyork.eataly.it/

Murakami em Versailles: o Andy Warhol do Japão abre mostra no castelo francês

Crédito: divulgação




Não costumamos associar o antiquíssimo Château de Versailles (ao sudoeste de Paris), à arte contemporânea.
E no entanto, em 2008 fizeram lá uma grande mostra do artista pop Jeff Koons (aquele das esculturas gigantescas de metal que lembram bexigas em forma de bichos). Deu o que falar: o príncipe Charles-Emmanuel de Bourbon-Parme, descendente do rei que construiu o palácio, Louis XIV, tentou na justiça bloquear a exibição das obras, alegando serem pornográficas. Fracassou, e a mostra prosseguiu, sem censura.
Desta vez, montaram uma retrospectiva do japonês Takashi Murakami, um dos artistas mais valorizados do mundo, muito comparado a Andy Warhol pelo elemento pop de suas telas e esculturas. Mas apesar de usar cores alegres e estética que lembra desenhos animados e gibis Murakami também traz um lado dark e sexual à sua arte. A exposição ficará em cartaz até dia 12 de dezembro e já gerou farta controvérsia na imprensa francesa. Além de telas há quinze esculturas monumentais, cada qual exposta em uma sala do castelo.
Achei bacana a declaração que ele postou no site do Chateau:

“Para um japonês como eu o  Château de Versailles é um dos maiores símbolos da história ocidental. Um emblema de elegância, sofisticação e arte a que poucos podem aspirar.(…) Tudo isso foi trasnmitido para nós como uma fábula de um reinado distante. (…) Então provavelmente a Versailles da minha imaginação corresponde a um mundo irreal, exagerado e transformado. Foi isso que eu quis mostrar nesta exposição. Sou o gato de Alice no País das Maravilhas, que com seu sorriso diabólico confabula enquanto ela passeia pelo castelo”.


Instruções de como chegar ao Château de trem:

RER C de Paris, parada Versailles Rive Gauch, link para mapa aqui.

29.9.10

Ferran Adrià diz em entrevista exclusiva que El Bulli não fechará

Ferran Adrià, Marie-Claude Lortie e Alexandra Forbes


Não, ainda não consegui editar as fotos do jantar no El Bulli, então aos que pediram que eu conte logo como foi o meu jantar, peço um pouquinho de paciência... :)

O que deu, sim, pra editar foi este trechinho de minha entrevista com o Ferran Adrià. Un snack, como diria ele: apenas um mero fragmento de uma longuíssima conversa. Aguardem as cenas dos próximos capítulos...







E mais:

27.9.10

El Celler de Can Roca, na Catalunha: o melhor do (meu) mundo




O crítico gastronômico italiano Andrea Petrini, na primeira vez que foi ao Noma, em Copenhague, saiu de lá e ligou para seu amigo Stefano Bonilli, o fundador do guia Gambero Rosso e disse:

"Io credo che io vidi la madonna!"


Pois foi a mesma sensação que eu tive ao final de meu almoço no El Celler de Can Roca, em Girona.

O melhor passeio por uma adega de minha vida, seguido de cinco horas à mesa (22 serviços!). Pelo menos doze vinhos diferentes.

Eu ri. Eu verti duas lágrimas. E parei para pensar, à certa altura, que Deus existe de fato e que graças a ele tenho a grande fortuna de fazer o que faço.

"Io credo che io vidi la Madonna".


E notem que não foi minha primeira vez: eu já saíra encantada de meu primeiro jantar "by Rocas", uns quatro anos atrás. Incrível, inesquecível. Mas os três irmãos - Joan, o chef; Josep o sommelier e Jordi o pâtissier -  indubitavelmente, atingiram o seu ápice de dois anos para cá, no novo endereço, a belíssima casa moderna e envidraçada para onde se mudaram um tempo atrás.





Fica em um subúrbio de Girona, coração da Catalunha - onde o Barça emociona mil vezes mais do que a seleção da Espanha - coisa que não podia ser mais evidente ao bom observador...



Mas não falemos de política. Voltando à comida: a um ateu, eu perguntaria: pois de que outra forma poderia explicar que, por obra do destino, eu tenha tido minha melhor refeição justamente no último dia? Foi um fecho com chave de diamante, mais do que eu jamais poderia esperar.

Marie-Claude e eu chegamos à 1:30 em ponto e Joan Roca em pessoa já nos esperava à porta. Sempre elegantemente discreto, um gentleman. Nos levou para vistar a vasta cozinha, com área só para sous-vide, e uma grelha insipirada no mítico Extxebarri, de combustão lateral (as brasas à esquerda, a grelha à direita, dá pra ver lá no fundinho, na foto abaixo).

Photo: Marie-Claude Lortie


Em seguida, apareceu seu irmão mais novo Josep, ou Pítu para os mais íntimos, tido por muitos como o melhor sommelier da Espanha. Seguimos Josep até a adega, e logo ele começou a falar de seus vinhos favoritos, ajudado por um esperto sistema audiovisual que ia mostrando em telas planas imagens dos vinhedos que ele ia descrevendo, de maneira tão apaixonada e poética que me deixou sem palavras, profundamente tocada. Seria impossível transmitir a sensação do que testemunhei naquele momento. Piegas, eu sei, mas... fazer o quê? Não digo nada além da verdade. Eis a prova:





Já meio balançada, sentei-me à mesa, olhei ao meu redor e, mais uma vez, fiquei boquiaberta. De (muito) longe o salão mais belo e tranquilo e inspirador desta viagem. Forma uma espécie de triângulo em cujo centro há um canteiro de árvores rodeadas de lascas de pedra cinza-escuro. Uma ou outra folha amarelada pelo outono caía lentamente, o sol manchando de branco-brilhante os magros troncos rajados. Belíssimo.



Nem sequer nos trouxeram menus: estava claro que não chegaríamos ali com a vã intenção de querer direcionar o andar de nosso almoço: estávamos em boas mãos.

Depois de tantos anos escrevendo sobre restaurantes, tenho um sexto sentido que me permite, já à hora do amuse bouche, perceber o que mais vem pela frente. E meu instinto já dizia - ou gritava! - que estava por vir algo absolutamente fantástico.


Já na partida se percebia o incrível capricho. Imaginem que trouxeram à mesa um lindo bonsai - de verdade! - que tinha, pendendo de seus galhos, azeitonas recheadas de anchovas, com fina crosta caramelada e quebradiça. Era um cartão de boas-vindas comestível, que representava o salgado (domínio de Joan Roca) e o doce (do qual se encarrega o caçula Jordi Roca).






Que gesto bacana, e… que azeitonas!

Logo depois, uma garçonete surgiu com outras duas bolotas vermelhas em uma tigela: "Bellini", disse ela. Purê de pêssego da mais alta qualidade, geladinho. Plóc! E tudo se liquefazia na boca. Nham.





Em seguida: as mais finas hóstias de batatas chips ensanduichavam um creminho de frango.


À esquerda, "omelete" de arenque defumado e caviar. À direita, parfait de pombo.



Estavam incríveis as espinhas de anchova fritas em tempura de arroz (era quase um torresminho do mar, textura  parecida), e, sobre a mesma "rede de pescador", um naco de peixe com um recheio de algo picado e frito, também incrível.


Isso tudo, claro, não passava de aperitivo..... e ainda tinha um brioche com porcini "ao caldo de pot au feu" que, para mim, parecia um steamed bun à la David Chang com forte sabor de trufa.


A primeira entrada:


"Ostras com cava Agustí Torelló, compota de maçã, gengibre, abacaxi, limão confit e especiarias"






Sim, era outra delícia. Mas sabem o quê? O que mais encantou foi o "prato", praticamente uma escultura em vidro que lembra uma meia garrafa de vinho, porém tem formas mais arredondadas. E detalhe: o vidro estava geladíssimo, outro cuidado a notar. Ao servir, o garçom despejou sobre as ostras e os micro pedacinhos de maçã e abacaxi uma cava com consistência de geléia, quase, feita sob encomenda, em cujo translúcido gel viam-se as borbulhas em suspensão. U-au.


"Escalivada com anchovas e fumaça de brasas. Beringela, pimentão, cebola e tomate na grelha".






Se me perguntarem como foi que os legumes grelhados viraram bolotinhas engruvinhadas, respondo a verdade: não tenho ideia. Mas iam muito bem com o líquido onde nadavam pecadinhos de anchova. E que delicioso aroma de brasas! A tal grelha lateral valeu cada euro de investimento.... ;)


"Figo com foie gras"

Photo: Marie-Claude Lortie


Nem vou descrever muito, porque está na simplicidade do velho casamento figo e foie a magia dessa entradinha. O creminho era puro foie, e o pedaço de figo vinha com uma fina manta gelatinosa.



"Camarão gigante (gamba) na grelha"




Engraçado ouvir a "sugestão" do garçom: "coma o corpo depois chupe a cabeça". Dito, e feito - com gosto! E notem que a gamba ia bem além de mera gamba: em primeiro plano, uma "areia" representando a praia onde são recolhidas pelos pescadores, que tinha gostinho, adivinhem? De gamba claro!


"Sopa de cebolas, nozes Crespià (walnuts) e queijo Comté"









Cebola e queijo (e Comté, ainda por cima!), juntos: há coisa melhor? Sim, há: essa sopinha com pedacinhos de cebolinhas francesas e minipepitas de noz envoltas em caramelo quebradiço, fazendo perfeito contraponto com o suave amargor da sopa.

"Cigala (cavaquinha) da Noruega cozida no vapor de Amontillado"



Só esse prato mereceria um post à parte.... Vou resumir: a tigelinha da esquerda contem uma rocha e chega à mesa pelando. Sobre ela, uma espécie de peneira fina, onde pousa o corpo de uma cigala, cru. O garçom verte um Amontillado que imediatamente levanta fervura. Põe-se uma tampa, de modo que aquele vapor quentíssimo de jerez cozinhe a bichinha. Genial!

Ao lado, uma sopinha  feita de sua cabeça, lembrando uma bisque sem creme. E numa colherinha ainda vem um caramelo de Oloroso. Uma cozedura incrivelmente delicada, de um instante. Parece fácil, mas um escorregãozinho qualquer pode fazer esse prato naufragar - como por exemplo deixar que a tigelinha espere muito até chegar à mesa, perdendo parte do calor.

Ah, sim: até aqui sequer mencionei os vinhos servidos, o que é grande injustiça mas, sinceramente, trata-se de um post e não um tratado. Mas não posso deixar de contar que, entre vários verdadeiros tesouros, serviram naquele ponto um jerez oloroso raríssimo e antiquíssimo (Amontillado Coliseo V.O.R.S Valdespino D.O. Jerez) com as palavras: "los recomiendo que hagan sorves muy pequenos para que no sea mas potente que el plato." O Jerez é basicamente salgado, muito especial e intenso.



"Linguado, azeite e sabores do Mediterrâneo: erva-doce, bergamota, laranja, pinoli e azeite"




Sente-se o aroma da grelha, cuisson do peixe, mais uma vez, im-pe-cá-vel. E cada risco de cada cor super rico em sabor. E a bolinha de azeite, embora se pareça com a famosa encapsulação by Ferran, na verdade tem uma crosta quebradiça e doce.

"Lulinhas com onion rocks"




A "ilha" negra ao centro não é de pedra, mas sim um naco de um bolo esponjoso feito segundo técnica do El Bulli (poucos segundos em copo plástico no microondas). Era bom esse prato, mas achei que o caldo lembrava demais a sopinha da cigala...

"Red mullet (trilha) com suquet (um cozido de frutos do mar catalão) e banha"

Photo: Marie-Claude Lortie


Aqui neste ponto, confesso, já me concentrava menos e comia menos. Mas há que se dizer: era outra perfeição. Domínio total da cuisson. E não, não são batatinhas mas sim.... uma espécie de gnocchi de banha!


"Steak tartare com sorvete de mostarda"



De novo, o nome oficial do prato esconde todo um universo de diversos elementos, quase tão numerosos que não se pode listar…. A carne vinha coberta com alguns glóbulos esbranquiçados do tal "sorvete de mostarda", mas o que se sentia mais era o crocante das batatinhas suflês, cada qual passada em uma especiaria ou tempero: ketchup caseiro, béarnaise... a de pimenta scheshuan era especialmente saborosa, mas todas traziam o mesmo crunch para contrastar com a untuosidade da carne fria. Folhinhas de mostarda para completar. Este é o que todo tartare de carne quer ser quando crescer!

 

Cordeiro com terrine de pêssego e abricot





Confesso que a esse ponto comecei a sentir fadiga mental e física - prestei pouca atenção na explicação e fui logo comendo. Cordeiro e pêssego fazem um casamento perfeito - adoro essa carne combinada com quase qualquer coisa doce, tanto faz se é mint jelly ou uma crosta de amêndoa confitada (dragées), como fazia Alain Passard do L'Arpège. Pêssego e abricot, então, nem se fala: covardia. E mais um crisp da pele, e um bocadinho do que parecia ser purê de batata. Mas... será?!






E para limpar o palato.....  me lembrou Tico e Teco! Mas falando sério: de uma beleza singela essa "noz" congelada, não?







"Sanduíche de pele crocante de porco ibérico e melão"




E não é que de repente recuperei meu apetite com toda força?! Quem é fã de leitãozinho à pupuruca, como eu, só pode mesmo ficar maravilhada. A pele, de um marrom dourado, absolutamente plana e crocante, o melão do "recheio" morninho e mole, cozido à vácuo. Minhanossasenhora....

"Sorbet de limão destilado"






De novo: um prato tão incrivelmente mais complicado do que a descrição…. A gota alaranjada da foto tinha gosto de beurre noisette.  Cubinhos de bolo. Uma água aromatizada com rosas. Uma "neve" de leite de limão. E uma granité minute, mais conhecida como raspadinha, feita com a pele do limão (mas sem qualquer amargor, o processo é bem complicadinho e não vou entediá-los com a explicação….). Sabor intenso de limão, mas sem a acidez da fruta. E um toque floral. Sobremesa para calar os tontos que dizem que "gastronomia molecular é coisa de laboratório". Técnicas muito avançadas são usadas para simplesmente traduzir o limão em seu mais puro estado e sabor.




"Milk dessert"



Nuvem de chantilly do mais fresco leite de ovelha, ali de perto, coroada com algodão doce e uma fatia geladinha de algo que parecia picolé de goiaba. Ou seja: Romeu e Julieta! A pior foto,  mas... um dos melhores pratos! No fundinho, doce de leite.
A sobremesa foi elevada à décima potência pela lírica descrição feita pelo Josep, com direito a efeito sonoro: passando uma colher pelas ranhuras do prato emitiu-se um som que lembrava os sinos das ovelhas. Foi aqui que não resisti: lágrimas escorriam pelo rosto, um sentimento da mais profunda admiração pela sensitividade - tão rara! - revelada por Josep:

"L'idée c'est la tendresse. Un seul produit, profondeur de saveur. Le lait de brébis vient d'un petit village près de chez nous, et on peut écouter leur cloches" (aqui, Josep fez tocar os "sinos" imaginados)



"Baunilha, caramelo, alcaçuz, azeitonas secas e caramelizadas"



Os elementos neste prato são aqueles que os irmãos encontram na baunilha: notas de azeitona, alcaçuz... O sorvete? Baunilha vezes dez. Literalmente. Usam dez favas de baunilha ao invés de uma para atingir o nível máximo de "baunilhidade" e - diz o Josep - fazer sobressair seu fundo de amargor, embora naquela sobremesa não houvesse nada que me parecesse amargo. Era quase um broche de alguma galerista excêntrica, com cubinhos minúsculos e irridescentes, marrons profundos e um emaranhado de azeitona no topo. Grande complexidade.


"Gol de Massi"
Dois marshmellows que "marcam" os jogadores que Massi, do Barça, driblou. Ele partiu desde antes do meio campo e foi passando um, dois, três, quem estivesse na frente até fazer o gol.
Esse não mostro: quem quiser entender melhor pode ver este outro texto, que postei no portal da ALFA: foi o clímax de não só do almoço, como de toda a viagem.

Ah, sim, e aqui a lista de vinhos que acompanharam o almoço, um mais interessante que o outro. Meu maior coup de coeur: Nun, um super branco do Penedès, "irmão mais velho" do Improvisaciò.

 


E chega, que eu não posso escrever um livro sobre um "almocinho de sábado" sem matar vocês de tédio!

Cenas dos próximos capítulos: El Bulli.


25.9.10

Restaurantes desta viagem à Espanha: quais os melhores pratos?

jantar no El Bulli


Que semana! Desde o instante em que cheguei em Barcelona não faço quase nada além de comer, beber, comer, beber, comer, beber. Haja fígado. Cuines Santa-Caterina, no mercado de mesmo nome. Moo, com assinatura dos Roca. Dos Cielos. Moments by Carme Ruscalleda. Tapas24. Bravo24. El Bulli. Arzak (em San Sebastian, onde fiz um pit stop de uma noite só para esse jantar). Dos Palillos.

Escrevo isto sentada em um trem lotado que vai se arrastando lerdamente até Girona, uma hora e pouco ao norte, onde mais uma longa orgia gastronômica me espera.

E reflito: faz sentido este modo de comer? De tão intenso o pique -  beirando no obsessivo - meu corpo começa a achar massacrante.

Será que mesmo assim, os olhos, as papilas, o cérebro, conseguem absorver cada bocada? O retrato que ficou gravado na memória de cada almoço e jantar, terá distorções?

Não sei, mas sei que nesses casos de viagens brutalmente intensas, a companhia faz toda a diferença. Minha parceira de crime chama-se Marie-Claude Lortie e, como eu, tem uma sede que não diminui com o passar dos dias. Ela trabalha no maior jornal do Québec, o La Presse, há mais de 20 anos. Como eu, é crítica gastronômica (e vem blogando sobre nossa viagem, aqui neste link).


Marie-Claude Lortie e Juan Mari Arzak, em San Sebastian


Ela corre x quilômetros todas as manhãs, em preparação para não sei qual maratona.

Eu, bem menos sábia ou disciplinada, acordo, bebo café e edito fotos, sem me permitir comer nada, para chegar a cada restaurante com apetite. Fome, digo.

O corpo protesta: meus olhos ardem de falta de horas de sono, sinto-me inchada, abatida. Mas lá dentro o fogo arde em altas labaredas, como se o embalo da maratona gastronômica extinguisse meu cansaço.

Mesmo que pareça injusto, eu comparo os restaurantes. E sei que os leitores irão me pedir o mesmo: "e daí, Alexandra, qual foi o melhor jantar no final das contas?"

Deveria responder com longa introdução que explique que um menu degustação de 44 pratos (no El Bulli) não pode se comparar a outro, vegetariano, de 6 pratos, no almoço, no Moo. Mas assim é: todos viajamos e comemos e, sem grande ciência, comparamos e julgamos com base em uma Polaroid, um dia da vida de cada lugar.

Portanto, para bem ou para o mal, com todas as inevitáveis injustiças e subjetividades, faço público aqui meu veredito:

tartare de tomate do El Bulli
  • Pratos mais gostosos: Dos Palillos
  • Pratos mais lindos e minuciosamente executados: Dos Cielos
  • Pratos mais alucinados e curiosos e perturbadores: El Bulli, óbvio
  • Pratos mais apagados, embora belos: Moo
  • Pratos mais irritantemente caros, embora bons: Bravo24
  • Pratos mais poeticamente concebidos e descritos: Arzak (pelo próprio, o que ajuda!)
  • Pratos vegetarianos mais brilhantes: El Bulli
  • Comidinhas que mais impressionaram: Ganbarra, bar de pintxos em San Sebastian
  • Melhor qualidade-preço: El Bulli
  • Chef mais carismático e generoso e acolhedor: Juan Mari Arzak
  • Chef menos simpático e acolhedor: Albert Raurich, Dos Palillos, que durante o jantar aparecia de vez em quando, de camiseta, fazendo fotos de pratos, dando de costas para os clientes, sem dar um aceno ou sinal com a cabeça sequer a todos que o olhavam.


As carnes do Bravo24, no menu: pero que caras, hombre!

Dos Cielos, dos gêmeos Torres: pratos belíssimos


23.9.10

Jantar no El Bulli: 40 serviços e 3 horas de conversa com Ferran Adrià

Ferran Adrià, Marie-Claude Lortie e eu


Há duas noites que não durmo. Quer dizer: durmo, mas pouco. Acordo com a cabeça a ferver, transbordando de flashbacks dos últimos dias, um instante mais inacreditável que o outro. Tento, ao trabalhar seriamente, não cair no terreno da "fãzoca" boba, que vai aqui e ali buscando a foto-troféu ou poder gabar-se no Twitter ou no blog que comeu aqui ou ali.



Mas os dias que têm passado - e ainda há mais três pela frente! - são simplesmente algo que a razão desconhece. E não há profissionalismo que resista à pura emoção de um jantar no El Bulli - risadas, olhares incrédulos, momentos de reflexão, momentos de antecipação. Uma vida escrevendo sobre comida para chegar até o momento crucial: aquelas horas absolutamente estranhas e intensas e contundentes e tocantes e perturbadoras e intraduzíveis. Pero... que me pasó?!


Ceci n'est pas un dîner...

Ontem, depois de QUARENTA serviços no El Bulli (e ainda viriam mais, se nossa mesa não fosse tão demorada), eu e minha amiga e companheira de viagem Marie-Claude Lortie, super crítica gastronômica québecoise, tivemos uma conversa de três horas com Ferran Adrià. E digo isso literalmente: quarenta serviços seguidos de três horas de papo aprofundado. Chegamos às 7. Nos fomos às 3h30! E que horas... e que conversa. Hombre!

Não tenho tempo pra contar, e juro que não é por falta de querer: acordei em Roses, fui à praia por uma hora - onde tive outra conversa ótima com outro chef, depois conto - entramos no carro atrasadas e viemos a 160 por hora ao aeroporto, e - UFA! - embarcamos para San Sebastian - UFA! - e largamos as malas, pegamos um táxi e jantamos no Arzak, para depois, claro, passar HORAS falando com ele e sua filha Elena, até que finalmente cheguei aqui ao hotel. São 4 da manhã.


Aqui vai um filmito curtíssimo, só de aperitivo - prometo que assim que recuperar o sono e achar um minuto que seja eu blogo algo de decente contando o que "se pasó". Pero... hombre! Esto no puede ser, me parece, de verdad, un sueño muy loco....



21.9.10

A Barcelona de Robert Llimós: viagem às entranhas catalãs

Rua Sant Per Mes Alt, na Ciutat Vella,
onde estou hospedada


Toda cidade é uma de dia, outra à noite; uma debaixo de chuva, outra pintada pelos raios suaves de um belo entardecer; uma quando a vemos de mãos dadas com um novo amor, outra quando fazemos o check-in no hotel de jetlag e com um marido emburrado ao lado.

A minha Barcelona de hoje é catalã de raiz, tão diferente da primeira Barcelona que conheci. Da última vez, hospedei-me em simpático hotel no Born com J e O. Era casada, fazia frio, a praia estava deserta.

Desta vez, vim só, e de alma aberta e fiz algo que não fazia há anos: pedi a uma amiga que me recebesse na casa dela - coisa que muda completamente o olhar sobre uma cidade. O verão ainda se arrasta, aquecendo as ruas pela hora do almoço, embora vez ou outra caia uma garoa fina e úmida. Hospedo-me em um predinho antigo de cinco andares em uma ruela da Ciutat Vella, a passos do Palau de la Música.



Lá embaixo passam os turistas, o passo dos saltos ecoando pelos paredões altos enquanto eu adormeço protegida pela cortina de palha.

Este predinho é onde vive minha amiga Marina, pâtissière de mão cheia, e o pintor e escultor Robert Llimós, catalão da gema, e "namorido" dela.


Na cobertura, há um pequeno apartamento que o casal emprestou pra outra brasileira , a Claudia, professora de ioga. No quarto andar, o ateliê de Robert:



Meu quarto de visitas fica no quarto andar, uma senhora escalada por escadaria que ladeia um vão escuro. Haja fôlego para tantos degraus depois de almoços de 12 serviços!

Robert, como todo bom artista, dá suas viajadas, e delas tira sua arte. Quinta-feira, abriu expo em um centro cultural aqui pertinho, que fui visitar hoje. Belo, estranho, e profundamente catalão aquilo o que vi.
 



Das obras mais famosas de Robert, o joão-bobo Miraestels aparece tanto na entrada da expo, abaixo, como também boia no Porto de Barcelona, olhos erguidos para o céu.




Este vídeo explica melhor a história desse menino a olhar estrelas. Com isso digo meu adeus: já vou a outro grande restaurante, depois descanso, para amanhã seguir viagem até.... ROSAS. Estou contando as horas....








Robert Llimós na Fundació Vila Casas: até 21 de dezembro.
Espai Volart
Carrer Ausiàs Marc, 22
Tel. 93 481 79 85
3a-6a: 17.00 h a 20.30 h
sáb.: 11.00 h a 14.00 h e 17.00 h
a 20.30 h
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