23.7.10

Chef René Redzepi, do Noma: o restaurante número um do mundo



Quem é ligado em gastronomia certamente, a essa altura, já ouviu falar do chef René Redzepi e seu restaurante Noma, eleito restaurante número 1 do mundo no prêmio inglês World's 50 Best Restaurants.

O The New York Times publicou excelente reportagem sobre o Redzepi, assinada pelo Frank Bruni -- o ex-crítico de restaurantes do jornal.



Bruni pintou o retrato de um jovem obcecado pelo seu entorno, que prega uma cozinha radicalmente local. Sem essa de dizer que faz comida “de mercado” servindo foie gras francês ou lagosta canadense: ele mesmo dá o exemplo, vai pro mato e colhe plantinhas, raízes e frutos, e se vira com o que os fazendeiros de seu entorno podem produzir. E só.

Redzepi se atém ao seu (por vezes parco) terroir por convicção, e não por falta de conhecimento do “mundo lá fora” ou dos ingredientes que poderia conseguir se quisesse. Afinal de contas, o menino passou pelas cozinhas do El Bulli e do French Laundry, entre outras, e conhece o bom.

Mas ele voltou pra casa sem deslumbramento e sem querer copiar tudo o que vira. A principal lição, aprendida com o grande Adrià, foi de que qualquer um pode, se quiser, jogar todas as regras do jogo no lixo. A reportagem de Frank Bruni traz uma frase ótima do chef Redzepi:

“Não voltei para a Dinamarca pensando ‘vou servir fígado de peixe com o gel do gel do gel enquanto açoito meus clientes com ramos de alecrim’, eu apenas voltei tendo descoberto uma sensação de liberdade”.


Com essa liberdade, Redzepi foi explorar. Tornou-se um forte defensor da cozinha natural, ultra-local, baseada em ingredientes "achados" ou colhidos em sua forma mais selvagem e intacta.

Um modo novo de pensar, que foi muito bem descrito por José Carlos Capel, no El País:

No âmbito da alta cozinha ninguém chegou tão longe em tão pouco tempo. Apenas seis anos foram necessários para René Redzepi, de 31 anos, saltar do anonimato a uma posição invejável entre a elite das estrelas. Trata-se do último rebento europeu tributário do pensamento de Ferran Adrià e da cozinha espanhola contemporânea. Em meados de 2003, este jovem dinamarquês de família Macedônia inaugurava o restaurante Noma (No, de nordic, e Ma, de comida). À beira-mar, em um antigo armazém de sal na pitoresca zona de Christianhavn, no porto de Copenhaguem.

Esse líder por natureza foi um dos impulsores em 2005 do The Manifesto for the new Nordic Kitchen (Manifesto por uma Nova Cozinha Nórdica), código que promove as matérias-primas de seu entorno e a defesa da produção ecológica.  Um estallido de imersão gastronômica revestido de intransigência místico-poética. Bocados anti-globalização com selo de vanguarda. Um compromisso com o planeta defronte a ameaça das mudanças climáticas.(…) A partir desse momento, foi uma ascenção fulgurante.

Acompanhem os highlights da carreira do chef e seu Noma:

2006 -- 1a estrela Michelin e 33a posição no ranking 50 Best
2007 -- 2a estrela Michelin e 15a posição no ranking 50 Best
2009 -- 3a posição no ranking 50 Best
2010 -- 1a posição no ranking 50 Best (o troféu, na foto abaixo)



Tive a sorte de almoçar com René Redzepi em Londres, no Viajante, horas antes dele ser eleito o número um do mundo na cerimônia do 50 Best. E sabem o quê? Em tantos anos lendo e escrevendo sobre chefs, o que me impressionou em Redzepi foi algo que eu vi também em Ferran Adrià na primeira vez que o entrevistei: uma energia infantil e contagiante. Redzepi, como Adrià, tem jeito de moleque, sorriso solto, carisma evidente. Afinal, ninguém chega onde ele chegou por acaso….

E quanto ao Noma, bem fez quem foi antes. Agora, ficou difícil conseguir mesa, não bastasse ele ser tão longe e fora do circuitinho familiar da maioria dos viajantes….





Eu sei o que perdi por até hoje não ter ido lá. Nas palavras de Miguel Santos,

“É a excelência da depuração. Não a depuração pornográfica, plástica, evidente. Mas a orgânica, a que irradia calor, apesar do branco.
A localização é perfeita, junto a um dos canais da bela Copenhaga, capital do Reino da Dinamarca.
Paira no ar um ambiente estranho. Como se a triste proletária de Lars Von Trier afinal fosse uma sereia.
É de uma simplicidade aterradora. Travejamento caiado negligentemente, paredes refractárias e o mobiliário de madeira, que jurava ter saído do atelier de Palo Samko.

Simples.
Belo.
A sintonia perfeita entre o passado de sal e o presente de mel. (..)
Foge da mesmice do trapézio Franco-Italiano replicado no mundo todo. Daquele ping-pong do foie-gras para lá, trufas para cá, dos lugares comuns, da “Maria vai com as outras” que grassa nas grandes metrópoles do costume.

Ali está um verdadeiro bastião de convicções, bom gosto e simbiose com o local. Less is more.

Neste caso, definitivamente.”

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