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12.9.12

Mistura, a incrível festa celebrando a gastronomia peruana



Lavradoras andinas, orgulhosas do prêmio "Rocoto de Oro" que ganharam no Mistura


Acabo de chegar em casa, ainda "misturada", como diria a chef Roberta Sudbrack, com tudo o que vi em Lima e no fantasticamente democrático evento Mistura, que está mais para festa popular do que fórum de gastronomia.

Fui cobrir o evento para a Folha - a matéria está no jornal de hoje.

Os organizadores estimam que 600.000 pessoas compareçam à feira, que conta com 330 seguranças e boa infra-estrutura.  O ingresso custa o equivalente a 15 reais e a maioria vai em busca de diversão (há shows musicais, bonecos e dançarinos) e uma infinidade de comes e bebes (cujos preços variam de 8 a 15 reais).

Foto: APEGA



No gigantesco parque Campo de Marte (190,000 metros quadrados!!) foram montadas 54 barracas de restaurantes e 75 carrinhos dos mais diversos tipos de comida, de bombons de chocolate e churros a ceviches e anticuchos (espetinhos típicos, de coração de boi).

Provando o porco à pururuquíssima da La Caja China
com Quique Dacosta e Gastón Acurio
Foto: Victor Idrogo



Havia ainda 16 espaços do que chamam de “cozinha rústica”: cercados com fogueiras, fornos e fogões a lenha, e porcos assados no fogo de chão ou em tambores de lata e panelões de cozidos.

Multidões pacíficas passeavam pela feira e sentavam-se em mesas de piquenique para comer.

Foto: APEGA



 “É pirante”, disse a chef Roberta Sudbrack do restaurante homônimo, no Rio, cuja palestra abriu o evento. “Deveríamos ter algo parecido no Brasil!"

 Rodrigo Oliveira, do restaurante Mocotó, que não palestrou mas fez dois jantares no restaurante de cozinha amazônica Amaz, fez coro: “no Brasil faltam o apoio do poder público e recursos”.  Ambos, como a maioria dos outros chefs entrevistados, diziam estar impressionados com o aspecto popular do evento e o entusiasmo e orgulho coletivos dos peruanos por sua gastronomia e seus ingredientes nativos.

A primeira-dama Nadine Heredia discursando na inauguração do Mistura 
Foto: Apega


   Desculpando-se pela ausência do presidente peruano Ollanta Humala, que estava na Rússia, a bela primeira-dama Nadine Heredia deu show de oratória no último dia 7 em Lima ao discursar na abertura da feira gastronômica Mistura. “Nossa cozinha está se irradiando pelo mundo, cativando paladares, olfatos e visões. Para mim é a maior honra declarar inaugurado o mais importante evento de gastronomia do continente”, disse, fazendo também um apelo para que o povo e os cozinheiros “lutem pela biodiversidade” e “comecem uma nova lógica de que comer à peruana é comer saudável”.

Passeando pelo Mistura com Gastón Acurio e Quique Dacosta


Tive a grande sorte de ser guiada pela feira por ninguém menos que Gastón Acurio, com exclusividade. Veio conosco o chef Quique Dacosta, da Espanha, que foi a Lima para dar uma palestra no Mistura (leiam entrevista que fiz com ele, no site da FOLHA). Ficou absolutamente maravilhado com o que viu no "passeio" com Gastón.

Chefs Quique Dacosta e Gastón Acurio, posando em frente ao painel
onde "mistureros" são convidados a deixarem seus comentários sobre a feira
Foto: Victor Idrogo


Nem mesmo a primeira-dama conseguiu ofuscar a atenção dirigida a Gastón Acurio, mais famoso e carismático chef do Peru, proprietário do Astrid y Gastón e inúmeros outros restaurantes no Peru e pelo mundo.

Gastón Acurio e a dona da banca descrevem diferentes batatas



Infinidade de quinoas no Mistura  Foto: Victor Idrogo


Ele fundou o evento anual, que está em sua quinta edição e tem um impacto impressionante. Ano passado ele abdicou da direção do Mistura, passando o bastão para a Apega – Associação Peruana de Gastronomia – e explicou que “o poder tem que ser temporário, agora outros vão dar continuação ao que começou como um pequeno sonho meu. Apesar do desligamento oficial, era seu nome na ponta de todas as línguas. Tratado como estrela de primeiro quilate, Gastón Acurio atrai multidões por onde passa, necessitando de seguranças para conseguir andar.

Gastón, à esquerda, seguido por bando de fotógrafos
Foto: Victor Idrogo


Chef Gaston Acurio posa para foto com lavradora andina, no Mistura
Foto: Victor Idrogo


  “Una fotito por favor!” e “Gastón, un autógrafo!” iam implorando as pessoas que seguiam-no como uma procissão de fãs fascinados. De senhoras idosas a grupos de estudantes e crianças pequenas, tentavam furar o bloqueio dos guarda-costas e faturar a tão sonhada foto (poucos conseguem). Sob uma grande tenda com teto de palha batizada de “el mercado”, fazendeiros andinos, com sorrisos largos, vestindo trajes típicos e cheios de ouro nos dentes, exibiam-nos o fruto de seu trabalho no campo. Acurio ia descrevendo tudo, dando incontáveis apertos de mãos, posando para fotos, provando amostras, fazendo perguntas e encorajando-os: “Êxito!”, ou “Sorte, campeão!”.


Foto: APEGA


 Havia batatas de inúmeros tamanhos e cores, algumas belíssimas, rajadas de roxo ou cor-de-laranja. Um senhor explicou porque planta 70 variedades distintas de quinoa, um dos produtos icônicos do Peru, em sua chácara de três alqueires nos Andes : “Cultivo o necessário, e é necessário porque é nosso dever manter a biodiversidade, somos do campo e nascemos com essa cultura”.

Grãos peruanos, homenageados este ano no Mistura
Foto: Victor Idrogo

Achei incríveis umas batatas desidratadas, duras, esbranquecidas, que Gastón mostrou-nos. Os andinos secam-nas no gelo dos Andes, assim podem guardá-las o inverno todo. Devem ralar essas "pedras" de batata, como se fosse katsuo boshi, imagino...

Batatas desidratadas pelo gelo dos Andres
Foto: Victor Idrogo

Segundo Acurio, esse espaço, montado como uma feira onde expõem-se e vendem-se também pimentas, frutas da selva, queijos e muito mais, serve para mostrar aos peruanos o que eles têm em seu país.

Provando uma cerveja de milho (não dá pra dizer que seja gostosa....)
enquanto Gastón engole uma garfada de
pimentão recheado
Foto: Victor Idrogo

“É uma cadeia virtuosa, quando chefs veem algo aqui e o incorporam a seus menus cria-se uma cadeia virtuosa e fortalece-se o orgulho pelo que a terra nos dá”, disse Acurio. Ressaltou que há hoje em Lima 200.000 crianças desnutridas e culpou em parte “o marketing que prioriza alimentos industrializados”.

Quique Dacosta dando palestra no Mistura
Foto: Apega


Enquanto dezenas de milhares de pessoas passeavam pela ruidosa e festiva feira, formando imensas filas em suas barracas de comida favoritas e lotando o que parecia ser um mar de mesas de piquenique, o clima era bem mais sério no auditório em que chefs peruanos e estrangeiros apresentavam suas receitas e filosofias. Na plateia, havia principalmente estudantes de gastronomia e jornalistas vindos de vários países.

O pâtissier espanhol Paco Torreblanca, no Mistura
Foto: APEGA


Este ano as maiores estrelas eram os espanhois Paco Torreblanca (pâtissier), Joan Roca (do El Celler de Can Roca, cotado como o segundo melhor do mundo) - cujas palestras perdi, porque já tinha ido embora de Lima - e Quique Dacosta, do premiadíssimo restaurante homônimo, e o italiano Massimo Bottura, da Osteria Francescana.

Este último comoveu a plateia com seu discurso poético ligando arte, emoção e cozinha.


Massimo Bottura depois de sua palestra no Mistura, dando autógrafos e posando para fotos: legião de fãs
Fotos: APEGA




Ligadíssimo ao mundo artístico, ele acaba de reinaugurar seu restaurante, e descreveu como agora integra ainda mais arte contemporânea do que na encarnação pré-reforma.

A chef Roberta Sudbrack, apresentando-se no Mistura
Foto: APEGA


   Dacosta e Bottura apresentaram seus restaurantes e receitas altamente vanguardistas, com a ajuda de vídeos mostrando os passo-a-passos. Roberta Sudbrack, do restaurante homônimo no Rio, representou muito bem o Brasil. Abriu a série de palestras falando dos laços íntimos que busca criar com seus fornecedores. Por respeito aos ingredientes prefere trabalhá-los com as mãos, transformando-os o mínimo possível, explicou.

A chef demonstrou três receitas de seu repertório brasileiríssimo, usando, entre outros ingredientes, farinha de parte interior de cascas de banana e rapadura. Improvisou uma quarta receita com produtos peruanos que encontrou no mercadão de Lima: pão, quinoa e algazinhas esféricas que a encantaram.



E mais gastronomia peruana no Boa Vida:




  

3.9.12

Os melhores restaurantes de Lima e a feira de gastronomia MISTURA



Coisa boa: estou de partida, mais uma vez, para Lima. Vou cobrir, pela segunda vez, o impressionante evento de gastronomia MISTURA, que começa dia 7. Em preparação para a viagem, já estou planejando onde comer. E vai faltar tempo para ir a todos os restaurantes que eu gostaria de visitar ou revisitar... Resolvi aproveitar o embalo e dividir aqui os endereços que dei na matéria acima, que saiu na última CASA VOGUE (cliquem para vê-la em tamanho maior), e mais alguns que ficaram de fora... Lá vai:

RESTAURANTES


Astrid y Gastón
O QG de Gastón Acurio e sua mulher Astrid, que em breve se mudará de endereço.

Central
O restaurante da maior estrela em ascensão na cidade, Virgilio Martinez. Foi meu jantar favorito na última ida a Lima. Aliás, ele irá participar este ano da Semana MESA SP, em novembro.

Maras
Este fica no belo hotel Westin, um dos salões mais elegantes e convidativos que vi na cidade. A cozinha é sofisticada mas, para mim, deixa a desejar em originalidade. Usa muitos ingredientes peruanos mas tem gostinho de déja vu.....

Além desses três favoritos, recomendo também o divertido Panchita, do Gastón Acurio, especializado em anticuchos (espetinhos). Despretensioso e gostoso, com clima de churrascaria.

Fui a outros restaurantes além desses. Como o Malabar, por exemplo, que achei muito bom - pratos lindamente apresentados - mas um tanto triste, rígido. Estive também no Mayta, de outro jovem talento, Jaime Pesaque, onde também preferi a comida ao ambiente. Excelente bar de piscos.


E eis a lista dos restaurantes que quero muito experimentar desta vez:

Amaz 
O novo do Pedro Miguel Schiaffino, do Malabar. A novidade do ano em Lima. Pretende ser uma versão mais acessível do Malabar, onde democratiza-se e simplifica-se a cozinha amazônica que o tornou famoso.
Tel. +511 221-9393 / 221-9880
Av. La Paz 1079 - Miraflores
reservas@amaz.com.pe


Ache
O novo do chef Hajime Kasuga, que já esteve no comando de restaurantes japoneses cotados como os melhores da cidade em outras épocas (Hanzo e Summum).
Av. La Paz, 1055, Miraflores

Maido
Um nikkei (nipo-peruano) muito bem cotado, do chef Mitsuharu Tsumura. Minha amiga e também jornalista Maria Canabal foi há alguns dias e me contou em um email: "me parecio espectacular.
Por fin un Nikkei de verdad, y no un restaurante que se llama Nikkei porque incluyo en su menu en aguacate..."

Calle San Martin 399, esquina com Calle Colón, Miraflores

Chez Wong
Lugarzinho-de-um-prato-só cult, de um protegé do Gastón chamado Javier Wong, que, para muitos, faz os melhores ceviches de Lima. Aliás, o melhor, no singular. Acho que ele só faz ceviche de linguado, e sequer tem menu. Só abre no almoço e, mesmo assim, só para quem reserva com antecedência. Não entendi muito bem o esquema, e até por isso, tenho curiosidade de ir experimentar. Abaixo, uma reportagem televisiva bem completa sobre ele, em espanhol.
Calle Enrique León García 114, Santa Catalina, La Victoria, +511 470-6217




E outras dicas que dei na Casa Vogue:

LOJAS DE DESIGN


Dédalo Boutique y Cafe



Galeria Lucía de la Puente


Atrações Turísticas


Museo Larco


Sala Luis Miró Quesada Garland


MALI ( Museo de arte de Lima)


Casa Aliaga


E mais gastronomia peruana no Boa Vida:



31.7.12

Joan Roca, Massimo Bottura, Quique Dacosta e Roberta Sudbrack no Mistura deste ano, em Lima



Divulgaram ontem a agenda do Mistura, um dos fóruns de gastronomia mais importantes do mundo, que acontece em Lima (aqui, a reportagem que escrevi a respeito da edição passada, na Prazeres da Mesa). Me chemaram atenção as ausências do nome do Thiago Castanho, que tinha sido anunciado como um dos palestrantes, e também do Gastón Acurio, padrinho do evento...

A quem interessar possa:

6a feira, 7 de setembro
Eneko Atxa (Espanha),
Roberta Subrack (Brasil)
Massimo Bottura (Italia)
Quique Dacosta (Espanha)
Mauro Colagreco (argentino que trabalha na França)

Sábado 8 de setembro
Iván Kisic (Peru)
Virgilio Martinez (Peru)
Rodrigo de la Calle (Espanha)
Hajime Kasuga & Giancarlo Nazario (Peru)
Giacomo Bocchio (Peru).

Domingo 9 de setembro: 
Daniel Ovadia (México)
Aurora Mazzucchelli (Italia)
Sang Hoon Degeimbre (Coreia do Sul/ Bélgica)
Maxime Bilet (E.U.A.)

2a feira 10 de setembro:  
Nelson Méndez (Venezuela)
Pepe Solla / Xose Torres (Espanha)
José Ramón Castillo (México)
Paco Torreblanca (Espanha).

3a feira 11 de setembro: 
Eduardo Navarro (Peru)
Matias Palomo (Chile)
Giancarlo Morelli (Italia)

4a feira 12 de setembro: Carme Ruscalleda (Espanha)
Peter Gilmore (Australia),
Dan Hunter (Australia)
Diego Muñoz (Peru)
Joan Roca (Espanha)


10.6.12

Ferran Adrià e Gastón Acurio exibem na ONU documentário sobre o Peru gastronômico

Novos melhores amigos: Ferran Adrià e Gastón Acurio no prêmio
The World's 50 Best Restaurants, em Londres  


O título do post já diz tudo.  O Peru segue avançando com seu agressivo programa de divulgação  no exterior de sua imagem de potência gastronômica. Depois de lançarem o documentário "Perú Sabe" anteontem em Lima, com entrada grátis para todo e qualquer estudante, os chefs e parceiros na empreitada Ferran Adrià e Gastón Acurio farão amanhã, dia 11, uma segunda exibição na sede da ONU, em Nova York. Tá bom ou querem mais?

Ponto para o chef Gastón Acurio, mais uma vez. Eis o trailer:





E mais Peru e Gastón Acurio no Boa Vida:




8.10.11

Chef Gastón Acurio e a feira Mistura em Lima na Prazeres da Mesa


Se não disse ainda tudo o que penso do Mistura aqui neste blog, a matéria na Prazeres da Mesa dá a geral da feira: porque bomba, quem está por trás e porque merece uma visita em 2012. Leiam!
E fiz um vídeo para acompanhar....




17.9.11

Resposta aos peruanos: Mistura, Gastón Acurio e o que escrevi na Folha

Anticuchos de coração de vaca, no Mistura, em Lima


Levar pedrada faz parte de meu trabalho e não é a primeira vez que acontece. Mas confesso que desta vez impressionei-me com a quantidade de peruanos que escreveram por aí - em cartas à Folha, em comentários neste e em outros blogs, no Twitter, etc. - reclamando de coluna que escrevi para o Folha Comida de umas semanas atrás.

Se não fui direto ao ponto antes, foi pura e simplesmente por uma questão de prioridades e fala de tempo. Fui a Lima para trabalhar, comer, falar com chefs, reportar. E não podia deixar de testemunhar coisas importantes, que não se repetiriam, ou de provar pratos do chef y ou z, para dedicar o pouco tempo que tinha em Lima a controvérsias.




Melhor dizendo: não me pronunciei neste espaço, porém dei entrevista ao jornal peruano El Comercio em que já deixo claro - no mais pavoroso portunhol e com profundas olheiras! - o que penso de Gastón Acurio e dos rumos da gastronomia peruana.

Agora, de volta a casa, posso dar maiores esclarecimentos aos meus leitores, na minha língua - sempre mais fácil, não é?

Creio que meu erro tenha sido o uso da palavra paiseco, que para mim não tem um significado  pejorativo como tem para muitos. Por isso, peço desculpas a todos que se sentiram insultados.

Ferran Adrià, de cinza, e Gastón Acurio, à sua esq. andando pela feira Mistura


Mas qualquer leitor atento verá, ao ler o texto até o fim, que eu queria apenas dizer que em certas coisas, como por exemplo, tamanho geográfico, o Peru é menor do que o Brasil. Bem menor. Mas que em outros aspectos, é maior.

As chefs Morena Leite e Flávia Quaresma no Mistura

O Peru, afinal de contas, conseguiu fazer grandíssimos avanços na esfera gastronômica. Para mim, e para muitos, trata-se de um pequeno gigante, que - espero! - servirá para dar um exemplo ao Brasil, onde brasilidade e conhecimento e valorização de produtos nativos ainda são um papo que alcança apenas a elite. O brasileiro médio acha que açaí só é aquela coisa roxa geladinha que surfista come com granola. O brasileiro médio não tem ideia do que sejam tucupi, xibé, arroz de cuxá, pequi. Ainda engatinhamos, enquanto o Peru navega de vento em popa rumo ao reconhecimento internacional porque seu povo entende mais da sua própria cozinha.



Disse isso, em outras palavras, na Folha:

"Taí o porquê da ascenção dos peruanos: todos jogam no time de Acúrio para forjar a imagem do Peru
 gastronômico. Restaurantes típicos abundam. Taxistas e lojistas conhecem a herança à
mesa e orgulham-se dela. O governo investe. E aqui?

Assisti uma palestra do fotógrafo Pedro Martinelli, em evento gourmet em São Paulo. Clamou
 emocionado pela preservação das tradições indígenas de trato da mandioca, mas não havia
 mais do que 20 pessoas na plateia. Nossos fóruns gastronômicos custam caro e falam para poucos.

Já o Mistura, em Lima, orquestrado por Acúrio, deverá atrair cerca de 300 mil visitantes em setembro.
Famosos como Alex Atala, René Redzepi e Ferran Adrià darão aulas e assinarão um manifesto.
Será grande o impacto. Não só por estar ali a nata dos chefs estrelados mas também por se
 tratar de uma feira vasta, democrática e farta em comidas, feita pelo povo e para o povo.

Esse Peru exuberante, exótico e exibido rodará o mundo em imagens enquanto assistimos de camarote."








A coluna era, em suma, uma crítica ao MEU país, e não ao Peru. Era meu modo de expressar uma vontade de que MEU povo apreciasse mais sua herança culinária, como faz o povo peruano. Que o governo ajudasse, facilitando a vinda de jornalistas gastronômicos ao Brasil, e a participação em fóruns internacionais dos nossos chefs - sem esse intercâmbio, a coisa jamais pegará embalo. E que os eventos gastronômicos do Brasil fossem inclusivos, democráticos e impactantes como o Mistura.

Onde havia um elogio, enxergou-se uma crítica. Eis aí a pena.



Que deixemos de lado picuinhas e vejamos o positivo: hoje avança o Peru, avança o Brasil e avança a gastronomia sul-americana. E ponto!



E mais Mistura e Gastón Acurio neste blog:

E mais:
Passeio virtual pelo Mistura: série de vídeos dos vendedores de comidas feita pelo jornal peruano El Comercio

13.9.11

G9 e a Carta de Lima, na íntegra, e os disparates escritos por Jay Rayner


Tirei a semana para falar de Peru, rumos da gastronomia, chefs, etc. Desculpas aos que visitam o Boa Vida querendo dicas de restaurantes, etc., mas tão logo termine o Mistura, megaevento gastronômico aqui em Lima, trocarei o disco, prometo.

Por ora, acho importante reproduzir a seguir, na íntegra, o importante documento assinado pelos chefs que compõem o chamado G9 (termo um tanto ambicioso/pretensioso demais?). São eles  Gastón Acurio, Ferran Adrià, René Redzepi, Alex Atala, Massimo Bottura, Dan Barber, Michel Bras, Heston Blumenthal (que deu o cano porque está metido em enroscada familiar) e Yukio Hattori.

Oito dos nove chefs do G9 e, de paletó, Joxe Mairi Aizeg, o diretor do Basque Culinary Center,
que patrocinou o encontro em Lima


Por que resolvi postar a "Carta de Lima" na íntegra? Porque tem muita gente que opina e/ou critica sem saber do que fala, e sem ler o que foi escrito.

Foi ridicularizada e destruída hoje mesmo, pelo jornalista do The Guardian Jay Rayner, neste post.

Não digo que seja a dos chefs uma declaração perfeita, ou coerente com a história de suas carreiras (para Adrià, por própria admissão, essa questão de sustentabilidade não importava muito até poucos anos atrás).

Mas trata-se de uma iniciativa cheia de boas intenções e, creio, com potencial para desengatilhar uma série de avanços. No mínimo, com toda a mídia falando disso, botará o assunto em primeiro plano. Fará pensar.

Cada um, é claro, pode achar o que quiser. Mas está erradíssimo Jay Rayner fazer uma crítica tão mal-informada, dizendo, entre outros absurdos, que Alex Atala e Gastón Acurio são conhecidos apenas entre os cozinheiros com quem trabalham.
 
Hein?

O maior disparate de todos foi Rayner dizer que "they have made the terrible mistake of thinking anybody really gives a damn what they think." Ou seja: "Os chefs fizeram o grande erro de achar que alguém se interessa em saber o que pensam".

Pode ter gente que já se cansou de ouvir blablablá de chefs, mas uma coisa é fato: qualquer "a" que saia da boca de Redzepi, Adrià e/ou Acurio virará notícia, não só hoje como sempre. E legiões de jovens chefs do mundo todo ouvirão/lerão/debaterão com enorme interesse. E afinal de contas, a carta destina-se a eles, os cozinheiros - como esqueceu-se de dizer o sr. Rayner.

Lá vai, a quem interessar possa:

En estos nuevos tiempos donde la sociedad está en constante evolución, nuestra profesión debe responder de forma activa a nuevos retos.

Desde la diversidad existente en nuestra profesión culinaria, con sus múltiples expresiones y formas de hacer, a los cocineros nos une nuestra pasión por la cocina y nuestra entrega a una labor que es una forma de vida.


Entendemos la cocina como un mundo de oportunidades, que nos permite expresarnos libremente y hacer realidad nuestras inquietudes y aspiraciones.


Consideramos que la cocina es algo más que la respuesta humana a la necesidad de alimentarse, es más que la búsqueda de felicidad. La cocina constituye una poderosa herramienta de transformación y puede cambiar la alimentación del mundo gracias al trabajo conjunto entre los cocineros, los productores y los comensales.


Nosotros soñamos en un futuro donde el cocinero y la cocinera estén comprometidos, conscientes y responsables de su contribución a una sociedad más justa, solidaria y sostenible.


Como miembros del Consejo Asesor Internacional del Basque Culinary Center, desde nuestra diversa experiencia, seguimos soñando y reflexionando sobre los retos futuros de nuestra profesión. Nuestra esperanza es que estas reflexiones sirvan como referencia e inspiración a los jóvenes que seréis los cocineros del mañana.


A todos vosotros va dirigida esta reflexión llamada Carta abierta a los cocineros del mañana que hemos elaborado en Lima el 10 de setiembre de 2011.


Carta abierta a los cocineros del mañana

A TÍ, COCINERO O COCINERA:

En relación con la naturaleza
- Tu trabajo depende de los frutos de la Naturaleza. Como resultado tienes la responsabilidad de defender la naturaleza y de utilizar tu cocina y tu voz como medio para la recuperación y promoción de determinadas variedades y especies. De esta forma, ayudas a proteger la biodiversidad, permitiendo a la vez el mantenimiento y creación de sabores y elaboraciones culinarias.
- Durante miles de años, la naturaleza y el ser humano dialogaron para inventar la agricultura, eso te convierte en parte de un sistema ecológico. Vamos a trabajar juntos para asegurar que este sistema funcione correctamente, promoviendo y practicando un sistema de producción sostenible en la tierra y en la cocina. De esta forma, además tendremos productos con un sabor auténtico.


En relación con la sociedad
•    Eres el resultado de la cultura, por ello, eres heredero de un legado de sabores, costumbres gastronómicas y técnicas de cocina. Pero tienes la posibilidad de no ser un cocinero pasivo, porque a través de tu propia cocina, tu ética y tus conceptos estéticos, puedes contribuir a la cultura y a la identidad de un pueblo, región o país, mientras sirves también como un puente importante con otras culturas.
•    Ejerces una profesión que tiene el poder de influir en el desarrollo socio- económico de otros. Puedes generar una gran actividad económica promoviendo la exportación de productos de tu país hacia el mundo mientras atraes turistas hacia tu tierra. Además, colaborando con productores locales y utilizando prácticas económicas justas, puedes generar riqueza local sostenible y fortaleces económicamente tu comunidad.

En relación con el saber
•    Si bien el objetivo principal de tu profesión es ofrecer felicidad y provocar emociones, a través de tu trabajo o colaborando con expertos en la materia del ámbito de la salud y de la educación, tienes una oportunidad única para transmitir este conocimiento al público, ayudándole, por ejemplo, a adquirir buenos hábitos de cocina y a aprender a tomar decisiones saludables respecto de lo que comen.
• A través de tu profesión tienes la oportunidad de generar nuevos conocimientos, sea desarrollando nuevas recetas o participando en proyectos de investigación profundos. Y como te has beneficiado de la enseñanza de otros, tienes la responsabilidad de compartir tu aprendizaje.

En relación con los valores
•    Vivimos en un tiempo en el que la cocina puede ser una hermosa forma de auto-realizarte. La cocina es hoy un campo en constante evolución donde intervienen múltiples disciplinas, por ello es importante que encares tus inquietudes, sentimientos y sueños con autenticidad, humildad y, sobre todo, pasión. En definitiva, guíate por tus principios éticos y tus valores.

12.9.11

Chef Gastón Acurio, o Peru e a identidade gastronômica: reflexões antigas, revividas



Estou sem tempo algum de escrever longos posts, por estar passando cada hora do dia mergulhada na fascinante e impressionante feira gastronômica Mistura, aqui em Lima.

 

Não quero perder nada, e, acreditem: há todo um MUNDO a ser visto, muito maior do que eu jamais poderia imaginar, apesar de já ter ouvido relatos de chefs e amigos que já tinham vindo ao evento no ano passado.

Prefiro não entrar em detalhes por enquanto, mas tenho que dizer que estou muito triste com os ataques que venho recebendo no Twitter de pessoas que, equivocadamente, pensam que não aprecio o Peru e sua gastronomia. Acho grande ironia, considerando que desde que pus os pés em Lima tenho transmitido, por fotos e tweets postados em tempo real o meu entusiasmo e fascínio pelo que ando vendo aqui.

Os ataques me fizeram pensar. E ao puxar pela memória, lembrei-me de um texto que escrevi em 2009, publicado na revista WISH. Alguns detalhes já estão desatualizados, mas a essência do que está dito ali ainda vale. É um tanto longo, peço desculpas. Mas postá-lo aqui talvez sirva para esclarecer que não é de hoje que admiro imensamente não só o Peru como seu povo, seu maior embaixador - Gastón Acurio - e sua rica gastronomia. Lá vai:

O chef Gaston Acurio, no palco do Mistura, em Lima


  Por que demoramos tanto para perder a vergonha de comer rapadura e farofa? Nos anos 80, Laurent Suaudeau e Claude Troisgros descobriram, encantados, tudo aquilo que nós brasileiros já conhecíamos e comíamos em casa, mas achávamos jeca. Aos poucos, os dois deram início a uma verdadeira revolução da alta gastronomia verde-e-amarela. Em 82, Suaudeau fez seu primeiro purê de mandioquinha. Depois usou jabuticaba em molho para pato, e pôs milho verde no nhoque. Troisgros, na mesma época, criou um kir com licor de jabuticaba no lugar do cassis e serviu peixe com molho de maracujá. A dupla francesa deu o que falar, mas por muito tempo permaneceu isolada, com sua predileção por ingredientes tropicais considerada pela maioria como “excentricidade de gringos”. Só de cinco anos para cá a coisa começou a mudar de figura.

   A certa altura, o restaurante D.O.M. passou a ganhar prêmios mesmo servindo PF no almoço e peixes da amazônia no jantar. Morena Leite mudou-se de Trancoso para cozinhar pratos baianos-chiques no Capim Santo, em São Paulo, diploma do Cordon Bleu debaixo do braço. Helena Rizzo, de volta de longa expedição à Espanha avant-garde dos irmãos Roca, gênios modernistas, pingou azeite de trufas sobre mandioca e tucupi em seu Maní. E casou uma terrine de foie gras com cubinhos de gelatina de cachaça, castanhas-do-Pará e goiabada. De repente, virou moda hastear a bandeira da brasilidade.

  Mas a onda é recente. Enquanto isso no Peru...

  O mesmíssimo preconceito contra os ingredientes nativos reinou durante muitos anos. O ají amarillo (pimenta amarela suave), a quinoa, frutas como maracujá, aguaumanto, mamey e chirimoya – tudo isso era visto como comida dos criollos.  As três vertentes da cozinha nacional – chifa, de influência chinesa; nikkei, dos imigrantes  japoneses, e criolla, dos andinos – eram apreciadas só nos botequins e nas casas de família. Jamais nos bons restaurantes. Só que lá a maré virou mais cedo....

  O mérito é de Gastón Acurio, a grande estrela da gastronomia peruana. Um filho de político que cursou Le Cordon Bleu e casou-se com uma pâtissière alemã. Em 94, abriram em Lima o Astrid y Gastón servindo cozinha francesa. Em 96 puseram, pela primeira vez, ají no cozido de carne e introduziram ceviche e tiradito no menu. Três anos mais tarde, o restaurante já não tinha nada de francês. O Peru, na mão de Acurio, virava grife.

  O homem é um furacão. E, praticamente sozinho, encarregou-se de levar ao mundo a cozinha peruana. E não é que a estratégia megalomaníaca tem dado certo? A conta já passa de 40 restaurantes. Quarenta! Cidade do México, Santiago, São Francisco, São Paulo, Caracas, Madri. Em breve, Dallas e Nova York. E Lima, claro, onde tudo começou.

O chef Alex Atala admirando a festa, no Mistura


   A grande sacada de Acurio foi separar a gastronomia peruana em capítulos. Nas várias cevicherias La Mar ele faz... ceviches. No novo Panchita em Lima serve anticuchos, que são espetinhos. Na T’anta e suas filiais a especialidade são os doces e salgadinhos. “Já vi sites taxando Gastón de megalomaníaco e dando a entender que ele fez uma rede de comida étnica pasteurizada”, diz Bruno Faro, ex-sous-chef de Flávia Quaresma que está estagiando em dois restaurantes de Acurio em Lima. “Mas brasileiro não conhece a comida peruana, qualquer um que saia comendo pelas ruas no Peru verá que ele só faz aprimorar a verdadeira cozinha típica”.


Anticucho (espeto) de coração de vaca, no Mistura


   Gaston não foi o primeiro – só o mais audaz e ambicioso. Já em 1992 existia um minúsculo restaurante de seis mesas chamado El Comensal, fundado pelo crítico gastronômico e jornalista Bernardo Roca Rey. Ali, sim, surgiu o que viria se chamar de cozinha novo-andina. Tudo o que jamais tinha sido utilizado num restaurante fino entrava naquela despensa: cuy, o leitãozinho dos andinos pobres; folhas de coca, que,  maceradas, eram usadas no coquetel coca sour; quinoa, o grão que deu origem ao “quinotto”, um risotto sem arroz; e assim por diante.

     O Comensal fechou, mas o movimento que havia desengatilhado continuou a tomar corpo. Discípulos abriram negócios próprios e difundiram o evangelho novo-andino. Em Lima, há o Malabar, de Pedro Schiaffino; em Montreal, o Raza, de Mario Navarette. Emanuel Piqueras foi para Oregon, nos Estados Unidos, e inaugurou o Andina, que logo começou a ganhar prêmios. Isso para não falar do Nobu, que apresentou o tiradito – misto de carpaccio e sashimi - aos americanos e emprestou à cozinha nipo-peruana uma patina de sofisticação globalizada. Tanto no original, no Tribeca novaiorquino, como nas tantas filiais que foram abertas na sequencia. Até Maceió tem seu novo-andino, o Wanchako. Resultado: difundiu-se a tal da cozinha novo-andina a ponto de criar uma imagem de Lima como meca gastronômica. A cidade foi proclamada a nova capital foodie mundial primeiro pela Gourmet, em 2006, e depois pela bon Appétit, em janeiro deste ano.

   “Lá fora, a cozinha peruana é mais conhecida que a nossa, que fica reduzida a rodízio e feijoada”, diz Alexandre Miqui, dono do primeiro restaurante peruano de sucesso em São Paulo, o Shimo. Miqui tornou-se sócio do mestre em pessoa: abriu com Acurio o primeiro La Mar em solo brasileiro, no Itaim. E pretende reproduzir a fórmula em várias cidades brasileiras.

   Acurio pensa grande: quer, simplesmente, fazer a cozinha peruana tão conhecida no mundo quanto a japonesa ou a mexicana. Ele diz que em dez anos Lima será como Paris: uma cidade aonde as pessoas irão só para comer. Pelo andar da carruagem, não duvido nada.

E mais Peru e Gastón Acurio:


Chef Gastón Acurio e seu grito pela proteção da cultura gastronômica e da biodiversidade de cada país - com vídeo


Coluna na Folha: o Peru, o chef Gastón Acurio e o evento gastronômico Mistura


Mesas com guarda-sol no evento Mistura

11.9.11

O chef Gastón Acurio no Mistura: grito em prol da proteção da própria cultura e do meio ambiente


Já nem lembro mais de quantos textos escrevi e li sobre Gaston Acúrio. Muitos. Mas como tudo na vida, saber é uma coisa, ver com os próprios olhos, outra.

Meninos, eu vi.

Vi um homem que por onde passa leva um rastro de gente em seu encalço, flashes espocando. Um superstar idolatrado pelo povo, como um Pelé de 20 anos atrás. Isso não é um cozinheiro, é um homem com poder e carisma suficientes para mudar algo em seu país, alguém que já ultrapassou, há muito, quaisquer barreiras que a profissão de chef pudesse lhe impor.

Ao subir ao palco ontem, no evento gastronômico Mistura, comoveu a todos com seu discurso.

Não me alongarei em pensatas sobre o que foi dito, principalmente porque o ritmo aqui em Lima está intenso e a feira me espera (tenho postado boletins frequentes no Twitter, meu username é aleforbes) . Mas fiz questão de editar um primeiro trecho da palestra de Gaston e postar no YouTube, para dar a vocês um gostinho do que foi.

Impressionei-me, principalmente, com os paralelos entre o que aconteceu aqui e o que está acontecendo no Brasil. Eles, como nós, eram deslumbrados por tudo o que vinha de fora, e achavam a própria cozinha coisa de pobre ou de comer em casa. Um dia, enxergaram o óbvio. Nós também, já enxergamos bem melhor, mas ainda há um looongo caminho a percorrer.

Algumas frases de efeito:

"Quando saíamos de casa encontrávamos cozinha francesa, italiana. (...)
Nosso sangue, nosso sentimento, tinham um freio mental, pensávamos que estávamos destinados a comprar Hollywood, moda europeia. Não tínhamos identidade."

"Antes, tínhamos produtos que nosso olhos n podiam ver. Éramos representantes de uma cultura que não era a nossa. (...) Ocorreu uma revolução interna entre nós, descobrimos a exuberância de nossos ingredientes."

"Finalmente descobrimos que o que haviam nos contado era mentira, que nossa cultura era bonita, que nossos sabores eram intensos e sofisticados."

"Detrás dessa diversidade cultural estava a oportunidade de dar um grito de liberdade, mas para fazê-lo, primeiro, tínhamos que nos unirmos como cozinheiros."

Assistam....

23.8.11

O Peru de Gaston Acurio na Folha, e o Mistura, evento foodie em Lima


Estou agora mesmo tentando achar um hotel bacana no centro de Lima (HELP! alguém tem uma boa dica?), para onde vou dia 8 de setembro, pela primeira vez. O motivo da viagem resume-se em uma palavra: Mistura.

Foi aí que lembrei de dividir aqui com vocês minha coluna de quinta-feira passada no caderno Comida da Folha. Fala justamente desse novo gigante gastronômico, o Peru. Vejam:


"O Peru, paiseco de menos de 30 milhões de habitantes, parece para muitos ter mais gastronomia do que o Brasil. O überchef Gaston Acúrio, espécie de ministro extraordinário para assuntos da mesa, conseguiu vender uma imagem de seu país como pomar inexplorado e porta de entrada para a Amazônia.

A Amazônia é mais nossa do que deles: temos 6,5 vezes o território peruano, 61% dele tomado pela Amazônia Legal. Ganhamos em diversidade de flora e fauna? De longe. Nossos chefs hoje estudam e exploram as diferentes cozinhas regionais deste país? Sim! São Paulo e Rio oferecem mais bons restaurantes do que Lima? E como!

Entretanto, ouço falar muito mais em Peru na mídia e pelos fóruns gastronômicos por onde ando, mundo afora.

Gaston Acurio e a gastronomia peruana na Playboy,
em excelente reportagem de Jardel Sebba


Se uma árvore cai na floresta, faz barulho? Não basta sermos grandes e donos de uma miríade de tradições culinárias se estrangeiros acham que nossa cozinha limita-se a feijoada, moqueca, churrasco e Alex Atala. Até nós desconhecemos o que temos. Bacuri. Filhote. Tucupi. Mocotó. Pequi. Saberia descrever isso a um estrangeiro?

Taí o porquê da ascenção dos peruanos: todos jogam no time de Acúrio para forjar a imagem do Peru gastronômico. Restaurantes típicos abundam. Taxistas e lojistas conhecem a herança à mesa e orgulham-se dela. O governo investe. E aqui?

Assisti uma palestra do fotógrafo Pedro Martinelli, em evento gourmet em São Paulo. Clamou emocionado pela preservação das tradições indígenas de trato da mandioca, mas não havia mais do que 20 pessoas na plateia. Nossos fóruns gastronômicos custam caro e falam para poucos.

Já o Mistura, em Lima, orquestrado por Acúrio, deverá atrair cerca de 300 mil visitantes em setembro. Famosos como Alex Atala, René Redzepi e Ferran Adrià darão aulas e assinarão um manifesto. Será grande o impacto. Não só por estar ali a nata dos chefs estrelados mas também por se tratar de uma feira vasta, democrática e farta em comidas, feita pelo povo e para o povo.

Esse Peru exuberante, exótico e exibido rodará o mundo em imagens enquanto assistimos de camarote."

E para quem quiser saber mais sobre o Mistura, eis um repeteco de post meu recente:

Atala, Acúrio, Bras, Adrià, Redzepi et. al no Mistura, em Lima: G9 assina manifesto

Eu e o chef Gastón Acúrio na cerimônia de premiação
dos 50 Melhores Restaurantes do Mundo, Londres, este ano


Já há alguns anos o evento gastronômico Mistura em Lima, vem ganhando embalo e relevância no cenário global, em grande parte por causa do überchef Gastón Acúrio, verdadeira celebridade em seu país, com poder para mover mundos e fundos. O Mistura, nesta sua quarta edição, acontecerá de 9 a 18 de setembro - e meu feeling que me diz que este ano os peruanos vão estourar a boca do balão.

Acham que eu poderia deixar de ir?

Desta vez, dedicarão áreas do pavilhão para exposições de Pisco e doces tradicionais do Perú (tejas, guargueros, voladores, turrones, crema volteada, leche asada, arroz con leche, alfajores, suspiros a la limeña, sanguito e king kong), explicando como são feitos e contando sua história.

As frutas serão outro destaque: estarão expostas  mais de 86 variedades da costa, montanhas e na selva do Peru, como graviola, cupuaçu, ameixa, maracujá, manga e outras que não sei traduzir, como inayugo, titomba, pitajaya e aguaje.

Padeiros virão de de Cusco, Arequipa, Ayacucho, Junín, Piura e Cajamarca para assar pães típicos.
Serão promovidos concursos para eleger os melhores pratos em inúmeras categorias: melhor ceviche sustentável (!), melhor ají de gallina, melhor anticucho, melhor salada de frutas, etc.

Quando me perguntam porque acho este evento especial, se há tantos parecidos no mundo, respondo com facilidade. De todos os fóruns gastronômicos este é o que mais abraça o povo. Vendem tíquetes, como fichinhas, para quem quiser experimentar as tantas comidas servidas, fazem shows musicais, expõem frutas, verduras, doces, pães. Envolvem toda a população em uma grande festa que deverá atrair, este ano, 300 mil pessoas. 



Mas o filé mignon será o muito esperado encontro dos G9, os "presidentes" das maiores potências gastronômicas mundiais (grupinho nada fraco que inclui o francês Michel Bras, o dinamarquês René Redzepi do NOMA, Ferran Adrià e o nosso Alex Atala, além dos outros que aparecem acima). O único senão? Nessa ocasião, será na verdade um G8, já que Heston Blumenthal do Fat Duck (Inglaterra) pelo visto deu o cano...



Eles pretendem lançar um manifesto intitulado "A Declaração de Lima". E mesmo sem bola de cristal desconfio que o manifesto dirá que é preciso valorizar e preservar culturas gastronômicas diversas, inclusive as menos conhecidas, como as do Perú, e cuidar do meio-ambiente de onde tiramos os ingredientes com que cozinhamos. E que o primeiro passo para preservar a natureza é conhecer os ingredientes que ela produz.

Além dos G9 chefs famosos vindos de muitos países darão palestras - os mais importantes, para mim, são Albert Adrià (irmão do Ferran), Quique Dacosta e o americano Daniel Patterson. Ah, e temos uma outra chef representando o Brasil, além do Alex: a sábia Mara Salles, do Tordesilhas, que sabe tudo de cozinhas regionais.

Selecionei, da agenda do evento, os highlights (já que no site deles a pesquisa é bem confusa). Lá vai, a quem interessar possa:


SáBADO, 10 DE SETEMBRO



15:00 - 16:00
Salão Creatividad - Aula Magistral
Eneko Atxa, Restaurante Azurmendi - España


16:00 - 16:45
Auditorio Tradiciones
Charla Tradiciones: "Perú: Sabiduría en fruta y sabor"
Andrés Aguirre - Juguero, La Gran Fruta


16:15 - 17:15
Salão Creatividad
Aula Magistral: "Nossa Mistura é a Farofa"
Mara Salles, Restaurante Tordesilhas - Brasil


18:45 - 19:45
Salão Creatividad
Aula Magistral
Gastón Acurio, Restaurante Astrid & Gastón - Perú



DOMINGO, 11 DE SETEMBRO



14:00 - 15:00
Salão Creatividad
Apresentação dos G9: "Declaración del Manifiesto G9"



15:00 - 16:00
Salão Creatividad
Aula Magistral:
Massimo Bottura, Restaurante Ostería Francescana, Italia


16:15 - 17:15
Salão Creatividad
Aula Magistral: "Quique Dacosta Restaurante: Sale el Sol"
Quique Dacosta, Restaurante Quique Dacosta - España


16:45 - 17:45
Salão Creatividad
Aula Magistral
Enrique Olvera, Restaurante Pujol - Mexico
 

17:30 - 18:30
Salão Creatividad
Aula Magistral: "La Cocina de Biko"
Mikel Alonso y Bruno Oteiza, Restaurante Biko - Mexico


18:45 - 19:45
Salão Creatividad
Aula Magistral: "La cocina como Lenguaje"
Ferrán Adriá, Restaurante El Bulli - España



SEGUNDA-FEIRA, 12 DE SETEMBRO

14:00 - 14:45
Salón Creatividad
COLETIVA DE IMPRENSA
Reunión Chefs Latinoamericanos


15:00 - 16:00
Salão Creatividad
Aula Magistral: "El Bulli, Esencia de un servicio"
Luis García, Restaurante El Bulli, España



16:15 - 17:15
Salão Creatividad
Aula Magistral
Alex Atala, Restaurante D.O.M., Brasil



17:30 - 18:30
Salão Creatividad
Aula Magistral
René Redzepi, Restaurante Noma, Dinamarca


18:45 - 19:45
Salón Creatividad
Fórum de Discussão: "Herdeiros da Cozinha Peruana"
Ferrán Adriá, Gastón Acurio e 3 chefs da nova geração


TERÇA-FEIRA, 13 DE SETEMBRO


13:45 - 14:45
Salão Creatividad
Aula Magistral:
Enrique Olvera, Restaurante Pujol - Mexico


15:00 - 16:00
Salão Creatividad
Aula Magistral: "Orgánicos: La despensa del mundo"
Rafael Osterling, Restaurante Rafael - Perú



16:15 - 17:15
Salão Creatividad
Aula Magistral: "Búsqueda de Criterios Unificadores. El caso de Venezuela Gastronómica"
Sumito Estevez, Restaurante Mondeque - Venezuela



17:30 - 18:30
Salão Creatividad
Aula Magistral:: "Coastal Flavors"
Daniel Patterson, COI, San Francisco - USA



QUARTA-FEIRA, 14 DE SETEMBRO

17:30 - 18:30
Salão Creatividad
Aula Magistral:: "Tickets: Un Nuevo Conepto en el Mundo de las Tapas"
Albert Adriá, Restaurante Tickets/Coctelería 41°, España



QUINTA-FEIRA 15 DE SETEMBRO


15:15 - 16:15
Salão Creatividad
Aula Magistral: " Nuevos Horizontes: Carnes Peruanas en el Mundo del Sushi"
Mitsuharu Tsumura, Restaurante Maido - Perú



17:45 - 18:45
Salão Creatividad
Aula Magistral:
Pedro Miguel Schiaffino, Restaurante & Bar Malabar - Perú



SEXTA-FEIRA 16 DE SETEMBRO


16:15 - 17:15
Salão Creatividad
Aula Magistral: "Perú, País del Cacao"
Astrid Gutsche, Restaurante Astrid & Gaston - Perú



E mais sobre o Mistura:


Site oficial do Mistura
Mistura no jornal peruano La Republica (com vídeo)

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