Confesso: sou muito parcimoniosa na hora de dividir meus achados de Trancoso. Já basta ver a cidadezinha ao sul de Porto Segura ser invadida no dia 26 de dezembro por batalhões de paulistas com bolsas Vuitton, celulares e biquínis grifados demais e desconfiômetro de menos. E dá-lhe vestidinhos de paetês e salto alto no Quadrado....
Mas por outro lado já cansei de saber de amigos meus desavisados caindo em roubadas. E roubadas não faltam: esta é a terra do restaurante-caro-e-medíocre e da pousada nota 6,5 cobrando mil reais a diária. Comer bem aqui é mais difícil do que se pensa....
As minhas dicas, portanto, são poucas:
Etnia Clube de Mar: paraíso
- Almoço na Etnia Clube de Mar, a nova filial praiana da pousada Etnia. Tem que reservar (tel. (73) 3668-1237, e os hóspedes das cinco "casinhas" chiquíssimas têm prioridade, naturalmente, mas ali se pode encontrar um ambiente civilizado, com SER-VI-ÇO, e boa comida, sem o carnaval desorganizado das outras pousadas de praia. Less is more. No caso, less people!
- Cair do dia na pousada Capim Santo, tomando caipirinhas e comendo bolinhos de aipim com camarão molinhos e sedosos
pizza de carpaccio do Maritaca
- Pizzas e chope no Maritaca (essa é manjada, mas sempre válida). Trata-se do mais estável e confiável restaurante de Trancoso. Há pratos que quase nunca achamos na Bahia, como spaghetti com bottarga, e uma ma-ra-vi-lho-sa pizza de carpaccio (a massa, um finíssimo biscoito, é assada sem nada, depois colocam a carne fria por cima, temperam e coroam com raspas de parmesão). Outro prato que amei? O paillard de filé mignon com spaghetti bem al dente que pedi para minha filha! Isso sem falar no soufflé de goiabada, o mais gostoso que já comi. Produtos de primeira, importados direto da Itália pelo Taliberti, o carismático patrone.
Fernando Droghetti, o Jacaré, e seu sócio-por-um-verão, o chef Francis Mallmann
- Carnes e peixes na brasa na pousada Jacaré do Brasil Casas, onde este verão funciona uma filial do Los Negros, famoso restaurante do igualmente famoso chef argentino Francis Mallmann. Tão bom que não tenho mais vontade de ir a outro lugar. Janto ali noite sim, noite não, e sempre maravilhosamente bem. Prato favorito: um atum daqui, pequeno mas notável, servido quase cru, com legumes em ratatouille assados super longamente. Também delicioso, o ojo de bife (de contra-filé argentino, por supuesto) servido sobre uma espécie de gauffre de batatas chips, ultracrocante. Há ainda incríveis casquinhas de batata com sal de primeira e salsinha, um dip de beringela com gostinho de brasas que gosto de comer sem o pão, de colherada, mesmo, e saladas impecáveis. Isso para não falar do décor de cair o queixo. Vejam só que beleza:
Estou feliz, feliz, feliz de poder mostrar a queridos amigos um pouco da Trancoso que eu amo: está aqui para o Ano Novo a família Arratibel, de San Sebastian, no País Basco. Achei para eles uma casinha no Quadrado: tem coisa melhor? Juanjo e Marilis, que vieram com as duas filhas, são do meu time: amam comer bem.
Têm interesse quase ilimitado por provar coisas - desde que sejam muito boas. Então por isso tem sido um imenso prazer levá-los de lá pra cá para experimentar as coisas de que mais gosto aqui em Trancoso (em especial, as pizzas do Maritaca, e comes e bebes de rua, como as excelentes caipirinhas da barraca do Diney, na entrada do Quadrado, e o queijo coalho da praia ).
Não deram sorte com o tempo: chegaram meia hora antes do dilúvio do dia 30, e fomos andando pelo Quadrado com água correndo pelas trilhas como riachos, um horror.
O que salvou foi o réveillon, divertidíssimo. Primeiro, ceia no Capim Santo, preparada pela Sandra Marques, a mãe da chef Morena Leite (onde vocês acham que a menina pegou gosto pela cozinha?). Imbatível, o vibe: não mais do que 50 pessoas, velas, flores e balões brancos, tudo super gostoso.
De lá seguimos para a festona na pousada Jacaré do Brasil, ali mesmo no Quadrado. Glam, muito glam. E dá-lhe gente conhecida de São Paulo, era um tal de olá querida que eu mal podia dar atenção aos meus convidados! :)
Mas quando faltava pouco para a meia-noite, nos mandamos para os fundos da igrejinha São João Batista, no alto da falésia, pra ver de camarote os fogos. Que coisa linda, aquele céu explodindo em cores e fitas, e o povo todo celebrando junto. Comovente, até.
Ainda achamos pique para ir dar um beijo na embaixatriz-mór de Trancoso, Joana Vieira, logo ao lado, que estava recebendo poucos amigos na laje de sua simpática casinha debruçada sobre o mar.
Mágico.
Mais tarde, Joana reuniu a cambada e foram em comboio à festa do Taípe, toda decorada por ela, aliás. Eu dei meus boas-noites e PUF! - encerrei a noite e sumi.
Deus é grande e trouxe ótimas vibes no ano novo: o dia 1o nasceu lindo e ensolarado!
Fomos ao mercadão de Trancoso - que rola aos sábados e não é frequentado por quase nenhum forasteiro - e compramos mantimentos para a noite, quando resolvemos preparar um jantarzinho na "casa" de outros vizinhos de Quadrado, Fernando Droguetti e Stela Batochio, a Jacaré do Brasil.
De aperitivo Juanjo serviu lomo e jamón do Joselito, o Rolls-Royce dos pata-negras, trazido na mala. Marilis preparou sua famosa tortilla de patatas, quase cremosa, incomparável.
Convidei o chef argentino Lisandro Ciarlotti (que tem um restaurante de carnes na parilla em Trancoso) para armar a parilla dele na cabaninha dos fundos da pousada, e lá grelhamos um baita olho-de-boi de quase cinco quilos, só no sal marinho.
Para acompanhar, fiz uma farofa com farinha fresquinha e feijão de corda, ambos do Mercadão, bem tostada na manteiga baiana, em fogo brando e panelão de ferro. E pimentinha da boa "roubada" da casa de Stela e Fernando....
Marilis Galardi destrinchando o olho-de-boi...
Fechamos o trabalho com cubinhos tostados de bolo de fubá cobertos de picolé Diletto de coco que eu piquei na faca com ajuda da super Jandira, e folhinhas de hortelã.
E, naquela noite estrelada, entre uma cervejinha e outra, a conversa foi longe: vermelhos, guaiamuns, tracajás, farinhas, picanhas e jamones. Gente de quatro países, muitas origens, juntos ali por um elo comum: o bem comer.