26.6.11

41 grados, o novo bar de Albert e Ferran Adrià em Barcelona: maluquices boas


Em maio peguei um avião para passar uma noite apenas em Barcelona.

Coisa de doido, eu sei. Mas é que os objetivos principais da ida à Europa eram o jantar que tinha marcado no El Bulli, duas horas ao nordeste da cidade, seguido de um giro pelas quintas do vale do Rio Douro: uma agenda muito puxada de visitas e comilanças.

Mas resolvi que não poderia nem pensar em ir à península ibérica sem parar em Barcelona ao menos uma noite, para conhecer o novo restaurante de Ferran e Albert Adrià, o Ticketsbar.

chefs Albert e Ferran Adrià, no Ticketsbar

Mas havia um problema: além do Tickets (que eles teimam em chamar de bar de tapas mas que não é bar de tapas coisa alguma), eu sabia que eles tinham aberto, logo ao lado, um outro lugar incrível, o 41 grados. Bem à moda deles, um bar que não tem jeito de bar. Nada é o que parece, sabem?

Os dois lugares - o 41, mais avantgardista, o Tickets, mais tradicional - eram um sonho antigo de Albert, que está ali todas as noites regendo a orquestra e que sente-se muito satisfeito de ter voltado a criar, a fazer vanguarda, depois de um tempo relativamente afastado da cozinha. Como ele mesmo revela, ao escrever no menu:

As coisas surgem por si sós. Saem quando têm que sair.
Nem logo nem tarde. Pode-se argumentar que tudo precisa
de um aprendizado, que a criação necessita de inspiração,
que o artista necessita de uma musa ou um maestro. (…)
Mas eis a verdade absoluta sobre a criatividade: quando
temos uma ideia temos que convertê-la em realidade,
levá-la até o final, e há que se dedicar a isso de corpo e alma.
O 41o nasce de uma dessas ideias, de um desejo,
de uma vontade profissional, de inquietudes não-resolvidas.
Há pouco mais a explicar porque a obra já
está em marcha e a função já começou.
Esse é o momento.
Chegou quando tinha que chegar.


Como minha companheira de viagem Marie-Claude topa qualquer loucura gastronômica (porque, afinal de contas, ela faz o mesmo trabalho que eu), resolvemos o "problema" de como experimentar dois lugares em uma noite de modo bem simples: fizemos reserva bem cedo em um e bem tarde em outro e preparamo-nos para uma maratona.

E olhem que reservar foi dureza: só pode ser pela internet, e o sistema exige paciência....




Mas conseguimos e lá fomos nós, de... bicicleta! Chegamos e logo uma olhou para a cara da outra com espanto: "que lugar maluco!", pensamos.

O Ticketsbar em si imita um cinema antigo, em homenagem à velha e feia avenida onde está localizado, a Parallel, que já foi em outra época a Broadway de Barcelona.

A diferença é que nesse "cineminha" só entra quem tem reserva.... para agonia dos turistas desavisados que rondavam a porta. Entramos e demos uma olhada rápida mas logo seguimos para o 41o (pronuncia-se 41 grados), o bar anexo.

 © Fotos: Pegenaute

Mas.... seria aquilo um bar? Certamente, o primeiro bar da Europa que exige reserva a qualquer hora e onde ninguém pode ficar de pé ou encostar-se no balcão. E de-fi-ni-ti-va-men-te o único do planeta oferecendo 28 marcas de gim e 4 de tônica. Diz o menu que os gim tônicas são servidos "con icebergs de hielo osmotizado sin oxígeno. Primero, elige la ginebra. Después, elige la tónica."

 !

Nós duas dávamos risadinhas, pela simples alegria de estarmos ali, mas também porque o espaço era inesperado, intrigante, engraçado. Na penumbra, víamos as mesinhas baixas tomadas por grupos de clientes, muitos estrangeiros. Ornavam as paredes de concreto caveiras de boi - uma verdadeira, outra de metal cortado como plumas.


Por toda parte notavam-se referências estéticas ao mundo do cinema, como cortinas de veludo (e notaram no nome do bar projetado na parede, na foto acima e as mesas imitando carretilhas de celuloide?).

O menu, como já era de se esperar, era enigmático. Niguiris?! Sobremesas, em um bar?!


Os pequenos bocados, que os irmãos preferem chamar de "snacks", sempre são muito diferentes da descrição no menu - eles gostam de revelar o mínimo possível... Quando perguntei ao vizinho de mesa o que ele achava dos seus "crujientes de gambas al azafrán" (crocantes de camarão ao açafrão), ele respondeu: "são como arroz inflado com gosto de nachos". (!!)




Já nós havíamos escolhido o niguiri. Já imaginávamos que vindo dos irmãos Adrià, não poderia ser sushi de verdade....


Dito e feito: o "niguiri" de atum, sem um grão de arroz, era um colchãozinho etéreo branco com gosto de dashi (caldo japonês) que - puf! - desintegrava-se ao encostar na língua. Textura de maria-mole, porém mais leve e aerada. Por cima, fatia de atum temperado com algum sabor mais intenso, e as bolinhas que imitavam ovas mas eram tapioca curtida no molho de soja.


No 41o, há uma parte do menu que sugere coqueteis para acompanhar os "snacks".



Quando em Roma....


Mas um Kill Bill e um Dirty Harry mais tarde, posso declarar que a verdade verdadeira é que todo e qualquer coquetel alcóolico será forte demais (em álcool, em sabores) para acompanhar tão delicado e minúsculo manjar. (O Dirty Harry, com gim, suco de lima, xarope de agave e fava de Tonka, era especialmente aromático).


Pedimos outros "niguiris" , desta vez de foie gras. De novo, o mesmo tipo de "nuvem" substituía o arroz, só que neste caso aromatizada com pera e coentro. O foie levemente caramelizado por fora. Flor de sal. Para comer de olhos fechados, gozando de cada instante. Um pedacinho de céu.

Aí vieram "pistaches miméticos". Imaginem que são feitos de manteiga de cacau moldada em formato de pistaches, e têm interior líquido com gosto de - adivinhem! - pistaches. Gostosinhos, divertidos. A força está no fator surpresa, mais do que no sabor em si.


Se os pistaches já eram deslumbrantes, esses pistaches verdadeiros contidos dentro de um "véu" de iogurte, acomodados no que parecia ser um tronco carbonizado, me tirou o fôlego. Show de técnica.


Ficamos ali mais de uma hora mas o tempo passou como se tivessem sido cinco minutos.

Puxamos papo com os argentinos da mesa ao lado, perguntamos o que tinham achado do que haviam pedido (ostras em diversas preparações, "ótimas"). Espantamo-nos com a quantidade de brasileiros. E queríamos mais: pedir mais, provar mais, olhar mais.

Só que já era hora de passar para o capítulo dois da noitada: o Ticketsbar. Aguardem as cenas do próximo capítulo....

41o
Avinguda Paral·lel 164
Barcelona

E aqui, o link para a matéria da Marie-Claude Lortie sobre o 41o e o Tickets, em francês.


Ombudsman da Folha: caderno Comida "frugal demais"


O chef Benny Novak (@BennyNovak) disse há poucas horas lá no Twitter: "Suzana Singer, Ombudsman da Folha SP, escreve hoje sobre o caderno COMIDA. Critica corretissima para um Jornal que se diz de Vanguarda. Sou assinante Folha acho que o COMIDA ja foi um passo , mas da pra melhorar muito ainda.Temos Nina Horta(sou super fã) e outos bons nomes".

O texto a que ele se refere é este acima. 

Como a maioria de vocês sabe, sou colunista do COMIDA, então fica complicado ficar opinando. Só posso (devo) falar da parte que me toca: tenho procurado fugir, justamente, de um tom "excessivamente laudatório". Ela levanta outro ponto importante, ao dizer que é preciso "ampliar a turma de 20 chefs que ocupam 95% dos textos sobre comida em todos os veículos". Eu tento, nem sempre com sucesso (escrevi sobre Alex Stupak, de Nova York, por exemplo, duas semanas atrás, e Joan Roca nesta última quinta-feira, mas lógico que there's room for improvement nesse quesito).

Mas vocês, leitores, podem (e devem) opinar à vontade. O que acham do novo COMIDA e das críticas de Suzana Singer? A caixa de comentários é toda sua...

E aqui, link para as últimas colunas que escrevi para o COMIDA:
O atum bluefin e o pouco que os brasileiros sabem sobre o sushi que comem
O chef Alex Stupak e a guerra entre blogueiros e chefs
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...